Os 50 melhores discos da Jovem Guarda

(e alguns de seus precursores e colaboradores mais notáveis)

Rosenberg Fernando de O. Frazão

Precursores – discografia básica

 

         Com o propósito de atender àqueles que desejam boas referências ou, até mesmo, adquirir exemplares da fase Pré-Jovem Guarda para sua coleção, resolvi compor uma discografia básica de 12 volumes, contendo alguns dos melhores álbuns dessa fase e algumas coletâneas, que, quer tenham sido lançadas antes, durante ou após a Jovem Guarda, trazem registros importantes (alguns até bem raros) de vários precursores.

Desse modo, é possível estabelecer uma boa cobertura desse cenário, evitando algumas ausências que seriam, decerto, imperdoáveis. Por outro lado (à exceção do Twist, dos Jet Blacks), não citaremos álbuns solos de artistas que fizeram com sucesso a transição da “Pré” para a Jovem Guarda, propriamente dita, para evitar alongamentos desnecessários.

Regina Célia (1962)

 

Embora viesse lançando compactos desde 1960, Regina Célia nunca teve o reconhecimento merecido no mainstream do rock brasileiro.

Talvez porque a concorrência entre as garotas fosse muito acirrada; talvez porque a profusão dos lançamentos e os reveses de mercado tenham deixado público e crítica divididos ou, quem sabe, muito ocupados para prestar atenção nesse disco, que foi lançado em 1962, tornando-se um exemplar disponível, apenas, aos colecionadores mais aguerridos.

Mesmo tendo sido uma das convidadas de honra do Programa Jovem Guarda em seu primeiro aniversário (22 de maio de 1966), é uma pena que esse registro, apesar de nos proporcionar um amplo contato com a sonoridade característica de fins dos anos 50 e começo dos 60, através de estilos como o twist, o hully-gully e, sobretudo, o rockabilly, tenha sido a primeira e última tentativa da cantora de lançar um LP, após o qual resolveu dedicar-se, exclusivamente, à formação de sua família e à vida pessoal.

Todavia, para ratificar ainda mais sua qualidade, no campo dos arranjos e do acompanhamento, ninguém menos que dois maestros de peso estão por trás da produção musical do disco: Francisco (Chico) Moraes, que começou tocando piano para Celly Campello em “Banho de lua” e “Estúpido cupido”, em 1959, e depois seguiu trabalhando com nomes do calibre de Elis Regina, Roberto Carlos, Chico Buarque, Edu Lobo, Milton Nascimento, Simone, Emílio Santiago, entre tantos outros; e o lendário Erlon Chaves, que, anos mais tarde, seria um dos maiores artistas do Brasil com sua inesquecível Banda Veneno e também acompanharia uma infinidade de grandes artistas.

Até a capa do LP é uma das melhores, com uma bela foto de Regina diante de um aparelho de som, cercada por discos de vinil, entre os quais um de Neil Sedaka e outro de Elvis Presley – melhores referências? Impossível!

Betinho e seu conjunto – Betinho, rock e calypso (1958)

 

Pioneiríssimo desde o primeiro acorde, Alberto Borges de Barros, o Betinho, juntamente com seu conjunto, se confundem com a própria história do rock no Brasil, sendo (em concorrência direta com o The Avalons) por muitos considerado o primeiro grupo desse gênero a despontar por aqui.

Mais uma vez, o período de atuação da banda foi muito breve, fazendo com que mais figure em artigos de pesquisadores isolados hoje em dia, do que na memória popular, de onde, praticamente, desapareceu.

Talvez, tenha contribuído para isso o fato de o grupo nunca ter assumido plenamente sua veia roqueira, o que já é possível notar nesse primeiro disco, onde o investimento no rock e no calypso resulta numa distribuição desigual entre o ritmo norte-americano e o caribenho, com clara preponderância deste sobre aquele.

Infelizmente, além desse, o grupo lançou apenas outro álbum, Betinho e seu conjunto dançante - N.º 1, de 1959, onde já envereda não só pelo rock, mas também pelo samba, pelo bolero e, até mesmo, pela bossa nova.

Por isso mesmo, sempre tive a forte impressão de que, além de certo amadorismo característico dessa fase, talvez o fim prematuro da banda tenha resultado exatamente dessa sua indecisão em abraçar apenas o rock como gênero dominante em seu repertório e da intensa troca de membros, apesar de sua curta duração. Teriam eles, como tantos outros, acreditado que o rock no Brasil seria apenas mais uma febre passageira, na qual não valeria a pena investir? É provável que sim.

De qualquer modo, basta o registro de hits antológicos como “Neurastênico” e, certamente, “Enrolando o rock” (que, depois desse álbum, só seriam relançadas em LP, respectivamente, na trilha sonora da novela Estúpido cupido (1977) e na coletânea O rock dos anos 60 (1987)), para vermos porque a banda é uma das mais credenciadas para fazer parte dessa lista.

Ademais, a mistura de rock e calypso; os estranhos backing vocals “infantilóides” (no bom sentido) de algumas faixas; a rara oportunidade de ouvir um sanfoneiro fazendo parte de uma banda de rock (Renatinho) — o que já acontecia, aliás, desde a primeira banda de rock do mundo: Bill Halley & his comets, com Johnny Grande; o sax sempre bem-vindo de Bolão; e a pluralidade de idiomas empregados: português, espanhol, inglês e até uma pitada de italiano (em “Buona sera”); são alguns dos fatores que nos permitem apreciar o estilo em sua face mais embrionária, aventureira e, por isso mesmo, visceral.

The Jet Black'sTwist (1962)

 

Sei que tinha anunciado na introdução desse tópico, que não citaria álbuns de artistas que fizeram com sucesso a transição da “Pré” para a Jovem Guarda, propriamente dita, razão pela qual pode causar estranheza a presença dos Jet Black`s nessa seleção.

Nomeados inicialmente como "The Vampires", o grupo sofreu grande influência dos norte-americanos do The Shadows e do The Ventures, de quem adotariam a pegada exclusivamente instrumental não apenas nesse ótimo Twist, de 1962, mas também em seus próximos trabalhos da fase pré-Jovem Guarda, ambos de 1963: The Jet Black's Again e Other Famous Twists.

Formada em 1961 pelo guitarista Joe Primo (Primo Moreschi), que mais tarde lideraria Os Megatons, até Bobby de Carlo, antes de conquistar o país com o “Tijolinho”, participou da banda como guitarrista, mas não se firmou, deixando espaço para que fosse edificada a formação original clássica, contando com Orestes Júnior (guitarra base), José “Gato” Provetti (guitarra solo), Ernesto Neto (sax tenor), Zé Paulo (José Paulo Matrangulo (baixo) e Jurandi Trindade (bateria).

Acontece que, salvo para acompanhamento de grandes astros, antes e depois da chegada da Jovem Guarda, entre os quais encontram-se Celly Campelo, Ronnie Cord (com quem gravaram, aliás, o clássico "Rua Augusta"), Roberto Carlos, Sérgio Reis, Reginaldo Rossi, entre outros, a banda sempre foi muito mais notável por seu desempenho instrumental, uma vez que nunca teve um front man capaz de desempenhar tão bem o papel de cantor e oscilando bastante, tanto em formação quanto em desempenho, de um disco a outro.

Para tirar à prova essa impressão, basta comparar o que fazem nesse seu primeiro disco e o que fariam em 1968, no disco “O Quente”, de Reginaldo Rossi. A quem tem ouvidos atentos, parecem, na verdade, duas bandas: uma habilidosa e profissional; outra iniciante e amadora, tamanha a diferença que é possível notar.

De qualquer maneira, é inegável que seus méritos preponderam, de longe, sobre os deslizes, e tudo começa, justamente, com esse LP, verdadeira aula de competência técnica da banda, que vivia, por essa época, um de seus melhores momentos.

Além disso, a animação está garantida, inclusive, pelas excelentes incursões vocais, que são feitas de quando em quando, tais como contagens regressivas, “agitos”, gritinhos etc., que tornam a sessão bastante descontraída e, por isso mesmo, resultam em ótimas faixas.

Como saldo final, para quem quer mais uma amostra de como os discos instrumentais eram populares na primeira década do rock brasileiro e de como se comportava um dos melhores representantes desse ramo, achará nesse disco um excelente material de pesquisa e diversão.  

Bolão e seus rockettes - Rock sensacional (1958)

Bolão e Seu Conjunto – Favoritas dos brotos (1961)

Bolão e seus rockettes - Viva a Brotolândia (1989)

 

Seguindo a trilha dos The Blue Jean Rockers, banda embrião da futura Luizinho e seus Dinamites, que em 1958 gravou o primeiro rock instrumental do Brasil - “Here’s the Blue Jean Rockers”, Bolão gravou, no final desse mesmo ano, o primeiro disco completo de rock instrumental do Brasil (Rock sensacional), abrindo caminho, desta vez, para um zilhão de outras bandas instrumentais que surgiriam no país depois disso (entre eles, os Jet Blacks, The Jordans, The Clevers (futuros Os Incríveis), entre outros). 

Em verdade, qualquer disco de Bolão, desde esse histórico Rock sensacional, com os Rockettes; até o Muito legal! (1964), já como Bolão e seu conjunto, poderiam facilmente ser citados nessa lista. No entanto, escolhemos esses três porque fazem parte de uma confusão, no mínimo, curiosa: o Viva a Brotolândia, que a Acervo Discos, em parceria com a CBS, lançou em 1989 é, na verdade, o relançamento de Rock Sensacional, de 1958, só que trazendo a mesma capa do Favoritas dos brotos, de 1961, ligeiramente modificada. Deu pra entender?

Para comprová-lo, basta comparar as playlists, onde destaca-se, como única presença brazuca entre as 12 faixas, a ótima, “C'Amon, Kiss Me”, do maestro Erlon Chaves.

Além disso, nunca é demais lembrar, Bolão já fez parte dos Jet Blacks (no que devem ter sido seus melhores dias...) e, em 1957, também integrou o conjunto do guitarrista Betinho (com quem gravou a pioneira “Enrolando o rock”) e a banda de estúdio que ajudou, em 1959, Celly Campelo a virar sensação no país com a gravação de “Estúpido cupido”. Para mostrar sua versatilidade e ligação com o rock brasileiro, Bolão participaria, até mesmo, do cultuado LP Jack, O Estripador, da banda Made In Brazil, em 1976.

No mais, como justificativa para a presença desse disco em nossa lista, basta ouvir o sax de Isidoro “Bolão” Longano em ação, e perceber a competência técnica com que ele, ao lado de seus músicos, faz valer cada pedacinho desse e de seus outros ótimos trabalhos.

Vários – O rock dos anos 60 (1987)

 

Apesar de equivocadamente intitulada “O rock dos anos 60”, essa coletânea, que, na verdade, reúne músicas, em sua maioria, dos anos 50, é normalmente ignorada nos sebos e lojas de vinil. Todavia, reúne algumas pérolas que só foram lançadas em compactos ou álbuns hoje dificílimos de se encontrar ou que custam, simplesmente, os olhos da cara. Verdadeiras relíquias do rock brasileiro, que, surpreendentemente, encontram-se reunidas nesse LP, lançado em meados dos anos 80. 

Dentro dela, tudo se destaca: Ronnie Cord, com “Rua Augusta” (marco da consolidação do rock no país e abre-alas para a Jovem Guarda); Celly Campello, com “Trem do amor”; Carlos Gonzaga, com “Diana”; Demétrius, com o “Rock do Sacy”; Tony Campello, com “Pobre de mim”; Betinho e seu conjunto, com “Enrolando o rock”; Meire Pavão, com “O que eu faço do latim”; e George Freedman, com “Adivinhão”, de Tony Chaves e do carismático Baby Santiago (Domingos Fulgêncio Santiago), que era mais do samba que do rock, mas deu ótimas contribuições ao gênero e aqui aparece como raridade, interpretando “Estou louco”, também de sua autoria.

Além desses, completam o quadro as raras gravações de Hamilton Di Giorgio, com “Anjo triste”; Wilson Miranda, com “Quando”; e do irmão de Meyre, Albert Pavão, com “O biquinho”.

Vários - Pioneiros da Jovem Guarda (1984)

 

A exemplo da anterior, essa coletânea reúne algumas raridades que só saíram em compacto e foram resgatadas de forma criteriosa por seus competentes organizadores. Talvez por isso, seja uma das mais caras coletâneas de rock brasileiro à disposição dos colecionadores, mas, dada a raridade das faixas e do quanto são praticamente irrecuperáveis em seus vinis originais, o prejuízo, para quem pode, até que vale a pena.

Aqui, temos um daqueles casos em que é menos necessário comentar, do que, apenas, citar, uma vez que esse compilado, lançado em 1984 (ainda por cima em edição limitada!), nos coloca, como poucos, dentro do berço do rock brasileiro.

Assim sendo, que tal começarmos com a histórica “Rock 'n' roll em Copacabana”, de Miguel Gustavo, nada mais nada menos que o primeiro rock gravado no Brasil, em 1957, por Cauby Peixoto?

A seguir, adicionemos três faixas com acompanhamento dos inoxidáveis Renato e seus blue caps: “Rei da Brotolândia”, de Erasmo Carlos, cantada por Wanderléa e lançada apenas em compacto em 1964; “O carro do papai”, do próprio Renato, cantada pelo mano Ed Wilson (1964); e “Garota fenomenal”, também de Renato Barros, lançada num raríssimo compacto, em 1960, pelo grupo Os Adolescentes.

E prosseguem as raridades, com Adilson Ramos nos vocais de Os Cometas, interpretando “Olga”; “Boogie do guarda”, do grande Baby Santiago, interpretada por ele mesmo; e uma série de nomes que nos soam um pouco estranhos, tendo em vista que, simplesmente, perderam-se no tempo, tais como: Clério Morais, cantando “Eliana”; Regiane & The Avalons, com “Tumbalove” (prov. 1959) e “Willie Boy”(1960); The Fenders, com “Boogie woogie rock”; As Garotas Violinistas, com “Brotinho Lili” (prov. 1959); The Vikings, com “My prayer”; Albert Pavão, com “Sobre um rio tão calmo”;The Snakes (grupo que reunia, à época, “apenas” Erasmo Carlos e Tim Maia), com “Calypso rock” (composição creditada ao grupo, mas, na verdade, mais um produto da safra de Carlos Imperial, em parceria com Roberto Reis); e, finalmente, Demetrius, com acompanhamento do The Devils, com “Hold me so tight”.

Talvez a grande surpresa do disco fique por conta de Os Cariocas, grupo que se tornaria um dos mais célebres representantes da Bossa Nova, mas que aqui aparece com ”Silhouettes”, grande sucesso do grupo The Rays, lançado nos EUA no mesmo ano desse registro brazuca: 1957.

Enfim, uma coletânea, que, por seu acurado senso de pesquisa, parece ter levado extremamente a sério a expressão “ir até o fundo do baú”. Parabéns a Jonas Barbosa e Luís Henrique Santos Garcia, responsáveis pela seleção musical.

VáriosEstúpido Cupido (Trilha sonora da novela) (1976)

 

Assim como as novelas Dona Xepa e Locomotivas, ambas lançadas em 1977, estão para a onda Black Rio; Estúpido Cupido, lançada no ano anterior, também pela Rede Globo, está para o rock brasileiro dos anos 50 e comecinho dos anos 60.

Trata-se de mais uma daquelas coletâneas despretensiosas, mas muito felizes em reunir algumas raridades, que, quando encontradas, estão sempre a preços exorbitantes em sebos ou lojas especializadas em vinis.

Um bom exemplo disso já começa pelo fato de que dois artistas brasileiros, praticamente esquecidos, retomaram suas carreiras com o estrondoso sucesso da novela: a eterna rainha, Celly Campello e o primeiro rei do rock nacional, Sérgio Murilo, graças à inclusão das clássicas “Banho de lua” (“Tintarella di luna”) e “Estúpido cupido” (“Stupid cupid”), do repertório de Celly; e “Broto legal” (“I'm in love”), do repertório de Sérgio.

Além disso, também surpreende a presença de faixas ainda mais raras, por pertencerem a artistas que, além de terem feito registros apenas em singles (compactos) ou em discos de pouca ou nenhuma repercussão, já haviam encerrado definitivamente as carreiras àquela época, talvez fixando-se, apenas, como compositores. É o que acontece, novamente, com Wilson Miranda, que aqui aparece com duas músicas: “Alguém é bobo de alguém” (“Everybody's somebody's fool”) e “Bata baby” (“Long tall sally”); Osmar Navarro (“Quem é?”, em parceria com Oldemar Magalhães); Tony Campello (“Boogie do bebê”, versão de “Babysitter boogie”); Betinho e seu conjunto, com “Neurastênico”; e até o pernambucano Paolo Molin, havia tempos esquecido, foi aqui resgatado com a balada “Sereno”.

De brinde, os pioneiríssimos Carlos Gonzaga, Demetrius e Ronnie Cord dão o ar da graça com suas célebres versões para “Diana” (de Paul Anka), “Ritmo da chuva” (“Rhythm of the rain”, com Demétrius exibindo seu desastroso vibrato) e “Biquini de bolinha amarelinho tão pequenininho”  (“Itsy bitsy teenie weenie yellow polkadot bikini”), respectivamente.

O restante do disco é completado por 3 ou 4 peças de MPB e bossa nova, mas nada que ameace, nem de longe, a presença maciça do rock e o elevado valor histórico dos registros que aparecem nessa ótima trilha sonora, bastante subestimada. Com ela, fecho minhas sugestões de coletâneas coletivas, muito embora seja importante destacar que foram dezenas as que as gravadoras lançaram no mercado tanto durante, quanto nas décadas posteriores à Jovem Guarda, o que abre aos ouvintes um generoso leque de opções, que vale a pena ser apreciado.

Celly Campello – Os grandes sucessos de Celly Campello (1962)

 

Surpreendentemente, Celly Campello abandonou a carreira no auge, aos 20 anos de idade, para poder se casar e constituir uma família próspera e feliz, em 1962. Nesse mesmo ano, a Odeon resolveu lançar essa coletânea, quase como um prêmio aos fãs da nossa rainha do rock, uma vez que reúne a nata de seus sucessos dos anos 50. De fato, um precioso documento de época, quando se trata de celebrar a memória dessa figura tão importante para a história de nossa música popular.

Todavia, o que muitos não sabem, é que a estrela, em meados dos anos 60, chegou a ser cogitada para apresentar um novo programa destinado ao público jovem, que a Rede Record estava planejando lançar aos domingos, ao lado de uns caras chamados Roberto Carlos e Erasmo Carlos. Mas, frente à constatação de que abandonara permanentemente a carreira, uma loirinha sortuda e talentosa chamada Wanderlea acabou tomando o seu lugar, e o resto vocês já sabem...

Enfim, uma coletânea muito feliz em suas escolhas e uma maneira de termos na estante o melhor que Celly produziu nos anos dourados de sua carreira.

Tony Campello – Não te esqueças de mim (1962)

 

Último disco de Tony Campello, Não te esqueças de mim é um compilado de versões de músicas italianas e americanas, em sua maioria boas, e bem valorizadas pela interpretação emotiva, mas sem derramamentos, desse grande artista.

Trata-se de um álbum que, em termos de estilo, ainda mostra um Tony muito conectado às suas raízes cinquentistas, investindo no Doo-woop, nas baladas românticas, com grande valorização dos arranjos orquestrais de cordas e sopros, além de cercar-se de backing vocals femininos muito próximos dos originais.

Todavia, para quem quer ter uma boa amostra do talento do “irmão da Celly”, para além dos sucessos que o consagraram e que podem ser encontrados nas coletâneas coletivas que indiquei nessa mesma lista, Não te esqueças de mim é o momento ideal, pois, praticamente, flagra o cantor dando tudo de si para manter-se na ativa em um período de transição, quando o mercado já dava amostras de que outros estilos estavam chegando e seria necessário um reposicionamento dos veteranos dentro da década de 60, que apenas começava.

Talvez, sentindo que fracassou nessa transição, Tony tenha se tornado mais tímido e acanhado nos anos seguintes, muito embora, repito, essa sua despedida dos long plays nos forneça uma boa amostra do que fora capaz de realizar ainda na fase primordial do rock´n´roll no Brasil.

Carlos Gonzaga -Os grandes sucessos de Carlos Gonzaga (1967)

 

Para início de conversa, todos os seis discos que Carlos Gonzaga lançou de 1959 (fase em que assume de vez o rock, as baladas românticas e o country como alicerces de sua carreira) até 1963, poderiam, facilmente, fazer parte dessa lista.

No entanto, essa coletânea, lançada em pleno auge da Jovem Guarda, tem o mérito de reunir seus maiores sucessos até então, sem deixar de fora nenhum dos testemunhos musicais que o apontam como um dos maiores precursores do movimento.

Desse modo, para melhor ratificar a qualidade dessa coletânea e mostrar o quanto certifica o papel precursor de Carlos Gonzaga, basta relacionar cada uma das faixas nela contidas aos seus discos originais, mostrando que sua cobertura é, de fato, bastante ampla. Assim, do álbum Meu coração canta, temos “Um milhão de vezes”; do The Best-Seller (1960), “Oh! Carol” e “Eu canto assim”; do Carlos Gonzaga Canta (1961), “Cavaleiros do céu”, “Bat Masterson” e o “Rock do broto”; do És tudo para mim (1961), “Tu és tudo para mim”; de O cantor "Hit Parade" ‎(1962), “Uma guitarra e um copo de vinho” e “Suzana”; e do Para a juventude (1963), “Não posso te esquecer”.

A todo esse repertório, acrescente-se, ainda, extratos de singles de sucesso como “Diana” (1958); “Diabinho” (1961), “Canário” (1961 ou 1962) e “Louco Amor” (1958 ou 1959).

Uma grande coletânea, de um grande veterano.

Os Cometas (1961)

 

Com apoio do Sexteto Sideral, banda de acompanhamento da gravadora de mesmo nome, Os Cometas lançaram esse clássico do rock nacional em 1961, recheado de baladas Doo-woop e rockabilly, sendo tudo isso ainda mais valorizado pelos vocais de um jovem na casa dos 15 aninhos, chamado Adilson Ramos.

Mas, além do talento precoce de Adilson, é claro que esse disco também chama a atenção por seu aspecto autoral, já que, das habituais 12 faixas (que era o padrão dos estúdios brasileiros à época), simplesmente todas são composições próprias. Certamente, algumas soarão bem próximas de hits da época, como é o caso de “Olga”, que parece um plágio de “Diana”, de Paul Anka, mas tudo não passa, na verdade, de mero atestado da influência que Anka e outros ídolos da época exerciam sobre os jovens e inexperientes roqueiros brasileiros.

Como dica final, “Micróbio do rock”, de Adilson Ramos e Armelindo Leandro, é um roquinho bem humorado que fará a alegria de quem curte metalinguagem e aprecia diversões inocentes e despretensiosas.  

 Uma raridade disputadíssima, que muito nos ajuda a enveredar pelos primórdios do rock´n´roll no Brasil.

Sérgio Murillo – Rei do Rock (1992)


      A crítica tem uma obsessão quase doentia por sempre falar em Sérgio Murillo como se fosse um desvalido, injustiçado, pobre coitado, traído e, até mesmo, vítima do preconceito, por questões que nada dizem respeito aos rumos de sua carreira ou interferiram, em algum momento, em seu indiscutível talento ou em suas performances.

        Porém, nessa resenha ligeira, centremo-nos naquilo que realmente importa: ressaltar o quanto essa coletânea, apesar de um pouco tardia, reúne os grandes sucessos do cantor, a despeito daqueles que apreciam seu trabalho terem gostos, às vezes, bem variados. Eu, por exemplo, adoraria que aqui tivesse sido incluída a divertidíssima a ousada “Lucifer”, de Baby Santiago, que Sérgio gravou em 1965 e “O pequeno gastronauta” (Paulo Brunner & Ivanildo Teixeira), hino não oficial dos garotos comilões, gravado em 1966.

        Mas, como disse, essas divergências são muito pessoais, e não desqualificam essa coletânea que, sem sombra de dúvidas, oferece-nos boa amostra do legado desse grande artista, que foi o nosso primeiro “rei do rock” e teve sua carreira subitamente interrompida no Brasil por sua própria imaturidade em lidar com os meandros de um meio musical ardiloso, onde não há lugar para almas puras e ingênuas.

    Todavia, em se tratando de hits essenciais, não há nada aqui que decepcione os fãs ou negue aos mais desinformados a oportunidade de conhecer a melhor parte da obra desse artista pioneiríssimo do rock nacional. Começando por seus maiores sucessos: “Broto legal” e “Marcianita”; aos quais se juntam, ainda, “O rei da Brotolândia”, “Balada de um homem sem rumo”, “Minha história de amor”, “Duas bonequinhas”, “Domingo de sol”, “A festa do surfe”, “Lá vai ela”, “Tu serás”, “Trem do amor” e “Dá-me felicidade”.

        Até por conta do próprio título, que reitera a majestade do artista, temos aqui, mais que uma simples coletânea, uma espécie de tributo ao saudoso Sérgio Murillo.

Menções honrosas 

(ou “como reconhecer que discos historicamente importantes e/ou bem aceitos à época não estão isentos de problemas”)  

 

Demétrius (O ritmo da chuva, 1964), Wanderlea com Renato e seus Blue Caps (1964), Rossini Pinto com Renato e Seus Blue Caps (1964 - cujo único problema é a péssima voz do genial Rossini, o versionista sem o qual a Jovem Guarda, simplesmente, não teria existido tal como a conhecemos); Wanderlea (É tempo do amor, 1965), José Roberto (Os sucessos na voz de José Roberto, 1967), George Freedman (1967), Roberto Carlos canta para a juventude (1965), Raulzito e os panteras (1967), Bobby de Carlo (1968), Jerry Adriani (Um grande amor, 1965; Devo tudo a você, 1966), The Sunshines (1967), Rosemary (1967), The Bells (1966), Conjunto A Patota (Benzinho, 1967; Muito Legal - Linha Jovem - Vol. 2, 1968), Robert Livi (Nascido em Buenos Aires e considerado “O único gringo da Jovem Guarda”, o “Broto portenho” - Apaixonado, 1968), The Silvery Boys (1968), Os Primitivos (Os Primitivos no iê iê iê, 1967), Martinha (Eu te amo mesmo assim, 1967; 1968), Conjunto Sempre Alerta (banda fundada em Macau, Rio Grande do Norte, que lançou, pela Rozemblit, em 1968, o hoje raríssimo Feito para você).

Bandas instrumentais

 

Muitos haverão de questionar porque não aparecem discos de bandas instrumentais em minha lista, mesmo tendo sido dezenas as que entraram em estúdio, inclusive na fase pré-Jovem Guarda, deixando registros que, muitas vezes, eram sequer suficientes para compor um LP.

Entre as bandas que formam essa extensa relação, podemos citar: Laffayette e sua banda (6 primeiros volumes, de 1966 a 1968), The Jordans (7 discos, de 1962 a 68), The Youngsters (1964 e 1969), Ed Maciel e sua orquestra (1966; Na onda, 1967), Os Versáteis (Topam a parada, 1968), Aristides Santos e seu conjunto (Doidão, 1967), Renato e seus blue caps (em parte de seus dois primeiros discos: 1962 e 1963), The Fevers (A juventude manda – vols. 1 e 2 – 1966; e Volume 3 – 1967), The Jet Black’s (Twist (1962), clássico da pré-Jovem Guarda; e Top top top (1965)); além dos discos de 1966 e 1967), Os Paqueras (Na onda do Tremendão – vols. I e II, ambos de 1967), Peruzzi & Sua Banda Jovem (1967), The Robins (Apresentam os grandes sucessos – Jovem Guarda, 1966), Os Megatons (1965), The Pops, The Bells, The Clevers, Os Canibais, The brazilian boss (1966), Os Populares (1967, 1968), The Fools (1967), Os Terríveis (Barra limpa, 1967), Os Centauros (1967), Os Mugstones (1967), Os Mutáveis, Os Carbonos etc. 

Como se trata de uma lista interminável, já deixo registrado um pedido de desculpas àqueles que tenham, por ventura, ficado de fora. Todavia, é preciso entender que eram tantos os grupos espocando naquela rica cena musical, que é, de fato, quase impossível listá-los por completo.

Além disso, embora a maioria delas tenha sido inegavelmente competente na parte técnica e acumulado centenas de horas de experiência em estúdio (não só gravando seus próprios álbuns, mas também colaborando com outros artistas), a quantidade de referências seria tão grande, que a lista dos melhores poderia, no mínimo, dobrar de tamanho, caso decidíssemos incluir todas as bandas. Por isso, achamos por bem listá-las em separado, com a promessa de, posteriormente, fazermos uma abordagem exclusiva sobre esse segmento tão rico da Jovem Guarda.

Enquanto isso, seja por questões técnicas, mercadológicas ou criativas, deixemos por conta dos leitores a escolha dos melhores, salientando, mais uma vez, que a retirada desses exemplares de minha lista não se baseia, de forma alguma, em critérios qualitativos.

De qualquer modo, para não ser tão radical, admitirei algumas bandas que foram capazes de mesclar faixas instrumentais e faixas cantadas num mesmo disco, à proporção de, pelo menos, 60-40% para qualquer dos lados, a exemplo do que fizeram Luizinho e seus dinamites (Choque que queima - 1964), Os Incríveis (Para os jovens que amam os Beatles, Rolling Stones e... Os Incríveis - 1967), Os Titans (1967) e Embalo R (1967).

Critérios de seleção

 

Os critérios empregados para escolha dos discos dessa lista foram poucos e simples. Vejamos:

 

1 – A fama e prestígio dos artistas são irrelevantes. Por essa razão, teremos tanto discos de artistas de enorme fama e prestígio, como Roberto Carlos; até artistas que, muitas vezes, lançaram apenas um disco, mas fizeram desses lançamentos verdadeiras pérolas, que foram esquecidas pelo tempo, muito embora contem com um ótimo repertório, produção, execução, entre outros aspectos que, mesmo ignorados pela crítica da época, merecem ser reavaliados agora e até ganharam o status de “cult” com o passar dos anos.

 

2 – A vendagem dos discos é irrelevante. Afinal, quantas vezes já não nos deparamos com discos que, apesar de excelentes, foram fracassos de venda? No caso da Jovem Guarda, em especial, tendo em vista que um time de cabeças de chave esteve muito à frente dos demais, é bastante comum que tenha havido profundas discrepâncias entre desempenho comercial e qualidade artística, o que fez com que muitos artistas tenham vendido muito menos que outros ou, até mesmo, tenham desistido da carreira por não alcançarem vendas expressivas, mesmo tendo produzido ótimos álbuns.

 

3 – As outras listas são irrelevantes, posto que, ao elaborar essa lista, tive o cuidado de não me deixar influenciar pelo prestígio de outros críticos ou de suas obras, me dedicando, ao contrário, a um rigoroso expediente de audições, análises e comparações, de modo a evitar a simples “cópia” de listas, impressões ou análises alheias, as quais comprometeriam, sobremaneira, a integridade desse estudo.

Além disso, nunca é demais falar, é óbvio que as inclinações subjetivas nunca podem ser ignoradas, por mais que nos apeguemos a critérios técnicos na hora de avaliar cada um dos trabalhos. Por essa razão, ainda que seja capaz de gerar discordâncias, essa lista é baseada em escolhas puramente pessoais, muito embora nenhuma delas tenha sido a esmo.

 

4 – Não farão parte da lista álbuns de repertório exclusivamente instrumental, de artistas pertencentes à fase pré-Jovem Guarda ou que não tenham lançado, pelo menos, um único LP (apenas compactos) durante a vigência do movimento, independentemente de quanto sucesso possam ter alcançado. Entre esses, podemos citar: Os Louphas e Vic Barone (vencedores do 1º Festival Nacional da Jovem Guarda, realizado em 1966 pela TV Record); The Rebels (de onde saiu o baixista Nenê, futuro membro d’Os Incríveis), Cidinha Santos, Os Juvenis, Arturzinho, Cláudio Fontana, Kátia Cilene, Monny, Roberto Lopes, Os Metralhas, Os Aranhas, Os Iguais (banda na qual Antônio Marcos estrearia como vocalista); Mário Marcos (que gravou apenas um compacto em 1968; integrou brevemente o grupo Os Caçulas após a Jovem Guarda; e compôs com o irmão, Antônio Marcos, “Como vai você?”, grande sucesso de Roberto Carlos em 1974); entre outros.

 

5 – A ordem de apresentação dos discos é irrelevante, não obedecendo, pois, a nenhuma hierarquia. Afinal, mais importante do que estabelecer um “rankeamento” entre as peças, creio que é dar visibilidade a todas, sem, necessariamente, atender ao meu gosto pessoal ou reproduzir a ordem encontrada em outras listas.

 

6 Em algumas das minhas resenhas, voltarei a explanar sobre esse critério. Por hora, basta dizer que, cronologicamente, nosso recorte não será o mesmo de alguns críticos precipitados, que tomam como marcos inaugural e final da Jovem Guarda os anos de 1965 e 1968, que correspondem, exatamente, ao período de duração do programa de mesmo nome.

Nosso recorte abrangerá, na verdade, o período que vai de 1964 a 1968, uma vez que, além de lançamentos que já evidenciam a presença massiva da Jovem Guarda no país, temos ainda a evidência de que o que motiva o seu aparecimento por aqui (bem como de movimentos similares ao redor do mundo) não é o programa liderado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderlea, mas, isto sim, a explosão da Beatlemania, que se deu nos Estados Unidos com a chamada “British invation”, ainda em 1964.

Assim sendo, não foi o “programa” Jovem Guarda que inaugurou o “movimento cultural” Jovem Guarda; mas, sim, a Beatlemania.

 

         Agora, vamos à diversão!

Os 50 melhores discos da Jovem Guarda

Trio Ternura (1968)

 

A exemplo do célebre Trio Esperança, também o Trio Ternura é formado por irmãos, criados em meio a um ambiente familiar saudável e prolificamente musical.

Nesse caso, temos os talentosíssimos Jussara, Jurema e Robson Lourenço da Silva, que, além de trazerem um raro sopro de vitalidade aos últimos tempos da Jovem Guarda, se destacariam, principalmente, por sua participação na explosiva apresentação de Tony Tornado em 1970, ao defender a clássica “BR-3” (Antônio Adolfo & Tibério Gaspar), durante o I Festival Internacional da Canção da TV Globo.

Antes de encerrarem suas atividades, vale lembrar que o trio se transformaria, ainda, no Quinteto Ternura, sendo, sob essa formação, responsável, em 1974, por uma das melhores (senão a melhor) regravação de “Baby”, de Caetano Veloso, a qual faria parte da trilha sonora da novela Locomotivas, de 1977.   

Evidentemente, o grande hit do disco é “Nem um talvez”, balada marota com cara de bossa, composta pelo pai dos meninos, Umberto Silva (em parceria de Terezinha Curtis), que, lançado alguns meses antes, como single, não só impulsionaria a gravação desse primeiro disco, mas também levaria a um convite do próprio Roberto Carlos para que se apresentassem no programa Jovem Guarda.

Por outro lado, o único ponto baixo do disco é, a meu ver, “O doutor do amor menino”, de autoria de José Messias, mas que parece ter sido composta, em verdade, por um míope embriagado durante um terremoto, tamanho o enfado que nos provoca, especialmente por sua letra pouco inspirada.

Capitaneados pelo belo vocal de Robson Silva, contando com ótimo repertório, produção primorosa de Nilo Sérgio e harmonias vocais doces, porém marcantes, através de momentos como “Felicidade no amor é isso”, “Um dia apareceu você, “Esperando você” (belíssima!), “Palavras inúteis”, “Se eu vivia bem sem ter você”, “ Canção do amor que não viveu” e “Quero você pra mim”, esse disco nos transporta a um tempo em que talento era o mais importante para alavancar jovens aspirantes ao estrelato – jamais o agachamento gratuito de bundas e a mediocridade sonora!

Não é à toa que, como raridade, o disco vale cada centavo da pequena fortuna que alguns negociantes cobram por suas edições originais.

Embalo R (1967)

 

Teria sido porque surgiu na interiorana Rancharia (SP) que essa banda não fez tanto sucesso ou não teve o merecido reconhecimento? Teria sido porque, diante da difícil penetração no circuito paulista, a banda se voltou, sobretudo, a excursionar por estados como Minas Gerais e Mato Grosso, e isso contribuiu para desviá-los um pouco da rota principal? Difícil responder...

Mas é custoso crer que uma banda com esse gabarito tenha gravado apenas dois discos (o segundo, em 1968, que também é muito bom), até desaparecer da mídia.

Tudo bem que o disco não é um primor de originalidade. Afinal de contas, fora a versão de Fred Jorge para “With a little help from my friends”, que, por sinal, é muito boa, todo o restante do repertório é um vasto compilado de hits nacionais e internacionais – o que, para a época, era algo bastante comum.

No entanto, há duas questões fundamentais a serem consideradas: primeiro, esse repertório é excelente! Segundo, não há uma só peça que, seja ela instrumental ou cantada, não passe por uma releitura extremamente criativa e, aí sim, surpreendentemente original. Ou seja: por mais que esperemos ouvir mais do mesmo, o que temos aqui é outro daqueles raros exemplos de recriação acima da mera execução, condição que favorece, sobremaneira, a exposição dos talentos individuais, especialmente dos guitarristas José Roma Neto e Oswaldo Grilo; e do jovem e talentosíssimo trompetista (sim, a banda tinha um trompetista fixo!) Sérgio Benutti.

Se há convencionalismo aqui, talvez ocorra, apenas, em “Eu não sabia que você existia” (que, ainda assim, considero a 2ª melhor versão dessa música, uma vez que é quase impossível superar a original, de Leno e Lilian!); “I was a Kaiser Bill's Batman”, que fez a glória do assobiador Jack Smith no mesmo ano desse disco; “There´s a kind of hush”; e, por fim, “Unchained melody”, que, já sendo uma balada “enjoadinha” por vida, não tem muito para onde inovar, mesmo tendo sido adaptada pelos garotos à batida de rock.

Quanto ao restante, prepare-se para ouvir versões bem inovadoras e/ou bem executadas de hits consagrados, a exemplo de “O caderninho”, com uma execução de trompete sublime e uma batida de guitarra base diferente; seguindo com “Cuore matto” e “Prova de fogo” (instrumentais); “Happy together” e “Green grass” (cantadas), que, cheias de modificações criativas, sobretudo, nos arranjos vocais, também contribuem para que o disco seja merecedor dos elogios que, talvez, tenham lhe faltado à época para garantir uma maior longevidade ao grupo.

Nilton CesarDois num só coração (1968)

 

Sempre fica a impressão, não só para quem ouve esse, mas também o disco anterior de Nilton Cesar, A volta do professor (1966), de que o tom bolerístico permeia os arranjos, mas nunca ao ponto de romper o vínculo (por vezes, forte, por vezes, tênue) com as linhas de base que definem os contornos da Jovem Guarda.

A bem da verdade, Nilton Cesar sempre teve uma relação esquisita com o rock, preferindo mais o cancioneiro romântico e o bolero como pontas de lança de sua longa e profícua carreira, muito embora tenha ensaiado seus primeiros e decisivos passo com Os Cometas, ainda na adolescência, na virada dos anos 50 para 60.

Não bastasse tudo isso, também se impõe seu estilo solene, padrão crooner, que talvez explique porque momentos como “Meu coração que te amava tanto" (versão de Antonio Marcos), “Se a vida é assim” (versão de Romeo Nunes), “Oração do amor perdido” (Osmar Navarro/Alcina Maria), “Eu falei sem pensar” (Dimas Prieto/Lauro Rocha) e “Dois num só coração” (Alexandre Cirus), ainda lembrem bastante o estilo que o consagrou em discos anteriores e já antecipavam, de certo modo, a sonoridade que adotaria nos anos 70.

No entanto, como permanecer impassível ao período mais frenético da história do rock brasileiro, sem, ao menos, deixar sua marca?

Pois bem. Esse trabalho é exatamente a resposta de Nilton às tentações da Jovem Guarda e seu desejo de fazer valer o seu talento também dentro desse universo em expansão, com o qual, a bem da verdade, já vinha flertando desde o estrondoso sucesso de “Professor apaixonado”, lançada em seu disco de 1965, Com alma e coração.

A música, a propósito, nada mais é que uma das melhores representações da temática — popularíssima à época —, da relação amorosa entre professor e aluna, que vemos reproduzida em tantas outras ocasiões com Roberto Carlos (“Professor de amor”), Silvinha (“Professor particular”), Célia Villela (“Lição de violão”), entre outros, e que hoje seria, sem sombra de dúvidas, alvo de cancelamento por parte dos lacradores de raciocínio cancelado.

Não é à toa, portanto, que, vislumbrando a cena musical emergente, o cantor acabou lançando A volta do professor, ainda em 1966 e, em 1968, já no final do movimento, esse Dois num só coração, que traz um excelente trabalho de backing vocals, arranjos orquestrais arrojados e bom repertório, resultante da criatividade de compositores talentosos e experientes: “Estou voltando pra você” (versão de Antonio Marcos), “Você vai pagar” (Dori Edson & Marcos Roberto); o grande sucesso “Férias na Índia” (Osmar Navarro & Nilton Cesar); e quatro exclusivas de Osmar Navarro: “Tudo mudou”, “São tantas coisas”, “Outra vez” e “Pensando bem”.

Por tudo isso, temos em Dois Num Só Coração um produto honesto, que cumpre aquilo a que se propõe e não sacrifica as bases que fizeram de Nilton Cesar um astro consagrado, já em meados da década de 60. Trata-se, assim, de um investimento calculado na Jovem Guarda, com resultados extremamente satisfatórios e assinatura autoral preservada, para bem de todas as partes envolvidas no projeto.

Sem qualquer ironia, aliás, devo dizer que esse disco me soa, às vezes, quase como uma mistura inusitada de Agnaldo Timóteo com Jovem Guarda; de solenidade com sutileza; de baladas pop temperadas com pitadas indisfarçáveis de bolero; de bailes de orquestra de clube mesclados com embalos juvenis de ginásio.  

Os Titans (1967)

 

Obscuros, simples e criativos, sobretudo na parte instrumental, Os Titans são a solução para quem exige mais dos arranjos do que dos vocais, que, apesar de não serem desastrosos, funcionam, por aqui, no limite do aceitável – algo que muitos, a propósito, sequer conseguiram, como é possível atestar em várias amostras da época.

No entanto, o que poderia ser fatal, acaba sendo redimido por uma possível manifestação de bom-senso por parte da banda. Afinal, o que mais poderia explicar o fato de termos aqui um disco igualmente repartido em músicas cantadas (todo o lado A) e instrumentais (todo o lado B), senão a prudência?

 A melhor decisão, assim, foi tomada, posto que o instrumental que suporta o canto é bom o bastante para compensá-lo e, mesmo assim, graças aos timbres de guitarra à la surf music, aos assobios, ao emprego da gaita e da pandeirola, dentre outros recursos aparentemente insignificantes, versões como as de “O pic nic”, “O caderninho”, “Esqueça e perdoe” e “Eu não sabia que você existia”, revelam-se extremamente satisfatórias.

Já nas faixas instrumentais, onde os músicos não precisam se preocupar com mais nada (além, é claro, de tocar!), sua desenvoltura atinge o máximo, deixando evidente, assim, qual é o lado mais forte dos rapazes.  

Outro ponto que se mostra favorável, apesar de parecer negativo a alguns, é a produção quase amadora e a maneira como a voz é colocada um pouco acima do som dos instrumentos, como se os microfones tivessem sido mal posicionados, mal regulados quanto ao volume, ou o engenheiro de som tivesse dado um cochilo durante a mixagem final. Todavia, de forma inesperada, isso alimenta uma agradável sensação de minimalismo e rusticidade, por meio da qual parecemos transportados, virtualmente, a um salão de baile; ou estivéssemos ouvindo um disco gravado ao vivo, que teve, no entanto, a participação do público completamente suprimida dos takes. 

Não sei se por sorte ou de pleno acordo com o projeto original, os aspectos aparentemente "negativos" acabaram, assim, soando tão interessantes, que maximizaram o que já era bom, com destaque para o desempenho técnico dos músicos, a inventividade dos arranjos, e, é claro, a escolha do repertório. 

Um disco, a meu ver, subestimado.

Os Brasas (1968)

 

Formada por Luís Vagner (vocal e guitarra, que mais tarde se tornaria grande nome do samba-rock e seria homenageado pelo grande Jorge Ben Jor, em seu álbum de 1981, Bem-vinda amizade), Anires Rodrigues (guitarra), Franco Scornavacca (baixo) e Edson Aymay (bateria), Os Brasas era uma banda gaúcha tecnicamente competente e produzida com esmero que, infelizmente, não foi além desse primeiro LP.

De qualquer maneira, essa pequena amostra já foi suficiente para colocá-los no panteão da Jovem Guarda, sobretudo, pela qualidade do repertório, no qual se destacam: “A distância” (versão de Anires pra “Oriental sandness”), “Beija-me agora” (de Fernando Adour e do grande Márcio Greyck); “Pancho Lopez” (versão de Luiz Keller para a música homônima de George Bruns & Tom Blackburn); “Quando o amor bater na porta” (ótima versão de Tom Gomes para “When love comes knockin' at your door”, sucesso do The Monkees); “Que te faz sonhar linda garota?” (versão de Anires para “What makes you dream pretty girl?”, sucesso do The Sandpipers); “Não vá me deixar” e “Meu eterno amor” (ambas de Luis Vagner & Tom Gomes).

Completam os destaques a bem arranjada e instrumental “Tema sem nome” (“Theme without a name”, de Clark & Davidson) e “Ao partir encontrei meu amor”, versão de Luis Vagner para “No fuimos”, da  lendária – e ótima! - banda uruguaia Los Shakers, que seria gravada também por Renato e seus Blue Caps, no mesmo ano, só que com outra letra e título (“Te adoro”).

Para mim, o único ponto fraco do disco é, sem dúvida, “Um dia falaremos de amor” (Renato de Oliveira, Luis Vagner e Tom Gomes), verborragia sonolenta que não compensa, nem mesmo, como recital. A bem da verdade, em toda a música popular brasileira, somente Agnaldo Timóteo e Altemar Dutra parecem ter tido capacidade de recitar coisas amorosas ao microfone sem parecerem forçados ou enfadonhos.

Ainda assim, um disco essencial na discografia da Jovem Guarda.

The Brazilian Bitles (Vol. 2 - 1967)

 

A primeira coisa interessante sobre esse disco é que ele possui apenas 11 faixas, numa época em que parece ter sido convencionado que todo álbum de Jovem Guarda só poderia ter 12.

Claro que isso vale apenas como curiosidade, em nada importando para a avaliação qualitativa do álbum, que, já posso antecipar, tem um estilo bem mais autoral que o anterior (É onda), lançado no mesmo ano, uma vez que, aqui, aparece apenas uma versão, “Gata” (de Luiz Toth, baterista da banda, para “Wild thing”), que fez, aliás, bastante sucesso e destoa completamente das pavorosas versões dos Beatles (“Qual a razão”, de Fred Jorge para “Day tripper”; e “O homem só”, de Lilian Knapp  para “Nowhere man”); e a dos Rolling Stones, “Não tem jeito” (de Rossini Pinto para “(I can’t get no) Satisfaction”), do disco anterior.

Mas, além das versões, o disco também conta com ótimas faixas originais, tais como: “Filhinho do papai” (Albert Pavão & Theotônio Pavão), “Não precisa chorar” (do baixista Fábio Block, principal compositor da banda), “Como é bom saber” (Esteban) e “Eu e você” (Fábio Block & Vitor Trucco).

O que mais me surpreende em relação a esse disco, porém, é o fato de que, sensivelmente, ele é superior ao É onda em tudo, muito embora seja estranhamente preterido das listas dos melhores, de forma recorrente. De minha parte, embora compreenda que o “aroma de garagem” que emana daquele álbum seja digno de respeito, não me resta a menor dúvida quanto à superioridade desse Volume 2, tanto em termos de arranjos quanto de instrumentação e, especialmente, de produção. De qualquer modo, como gosto é subjetivo, talvez por isso mesmo tenha minhas ressalvas com relação a outra música, que se tornou bastante popular à época, mas, para mim, soa bem deslocada. Estou falando de “Para, Pedro”, de José Mendes e José Portela Dalavy.

Que a beatlemania tomou conta do mundo e foi a coluna vertebral de movimentos como a Jovem Guarda, não é novidade para ninguém. Só que bandas como os Brazilian Bitles não faziam a menor questão de esconder essa influência, nem mesmo, no nome, que foi malandramente disfarçado aqui para evitar problemas de direitos autorais, mas ajudou a tornar a banda uma das mais populares do movimento.

Os Jovens (1967)

 

Formada por João José e Francisco Fraga, o famoso “Puruca”, a dupla Os Jovens gravou apenas esse LP.

Em 1968, Puruca já desistia da carreira artística, seguindo mais ou menos o mesmo roteiro de Ed Wilson que, após um único lançamento no âmbito do movimento, decidiu retirar-se para os bastidores, trabalhando, essencialmente, como compositor, e tendo, nesse sentido, uma carreira bastante profícua não só como colaborador da banda do irmão, Renato Barros (dos Blue Caps), mas de inúmeros outros artistas da MPB, ao longo de várias décadas.

Da leva desse jovem talentoso, que colabora na maioria das composições desse disco (4), ainda sairiam algumas pérolas, até mesmo, do período pós-Jovem Guarda, com destaque para a magnífica “Aceito seu coração”, que, ainda mais valorizada pelo arranjo do maestro Alexandre Gnattali e pela interpretação de Roberto Carlos, foi gravada pelo Rei em 1969.

Dentro da Jovem Guarda, também são dele as boas “Ainda lhe amo”, gravada pelos Golden Boys em 1967; “Esperando você” (em parceria com Marcos Torraca), do disco homônimo de Jerry Adriani, de 1968; “Eu já sei” (Leno & Lilian, 1966); e as ótimas “Eu queria saber” (Jerry Adriani, 1967); “Para me abandonar” (Renato e seus Blue Caps, 1968); e o louvável “esforço” psicodélico “Quando eu tinha você” (única parceria sua com Rossini Pinto, gravada pelos Fevers em 1968).

Já sobre esse disco, ainda que pareça evidente certa limitação vocal por parte dos garotos, o espírito aguerrido do rock se faz presente, através da agressividade com que se desenham alguns dos arranjos e solos de órgão, sax e guitarra, ao longo de várias faixas, entre as quais se destacam: “Coração de pedra” (Pedro Paulo & João José), com seu órgão enfurecido e guitarra rascante, já na abertura do disco; a dolente balada “Como é triste a solidão”; “Você fala demais” e “Pare de chorar” (todas essas de Puruca); “Não quero mais saber de brigas”, do imparável Renato Barros; fechando bem com “Podia me dizer”, de Puruca & Luiz Ayrão.

Destaque também para “Se você contar”, versão de Guty para “Try too hard”, dos britânicos do Dave Clark Five; e “Eu encontrei o amor”, versão de José Augusto para “I found a girl”, gravada em 1965 pelo obscuro duo norte-americano Jan & Dean.

Luizinho e seus dinamites – Choque que queima (1964)

 

         Um dos discos mais divertidos da Jovem Guarda, Choque que queima se situa na zona limítrofe entre o pioneirismo e os primeiros passos do movimento. Além disso, se o É proibido fumar, de Roberto Carlos, lançado no mesmo ano, é um magnifico exemplar da surf music made in Brazil; esse disco, por sua vez, talvez seja a maior representação do rockabilly, ainda que composto apenas por versões. 

No entanto, o cardápio é variado, para todos os gostos, trazendo desde músicas dançantes como a própria “Choque que queima” (do guitarrista solo Euclides para “Choppin' and changin'”); passando pelas românticas, como “Uma voz na solidão” (versão de Euclides para “A voice in the wilderness”) e “As estações” (de Luizinho, para “Evergreen tree”); até as músicas instrumentais (todas, por sinal, muito boas), a exemplo de “Driving guitars (ventures' twist)”, “Apache”, “Bongo blues” e “Guitar twist”.

Tudo isso junto, perfaz uma mistura que nos coloca, praticamente, diante de uma típica banda de garagem, que executa seu repertório de maneira crua, direta e minimalista, bem ao estilo rock´n roll raiz, sem muitas firulas técnicas ou arranjos complexos capazes de tolher a extrema naturalidade e simplicidade com que executa todas as faixas – algo que fica muito evidente, aliás, nas divertidas versões de “Dinamite” (de Euclides, que, além de abrir o disco, faz uma apresentação de todos os membros da banda); “A raposa e o corvo” (de Luizinho, para “The snake and the bookworm”); e, principalmente, a hilária “Carango twist” (novamente de Euclides, que assina, como se nota, a maioria das versões).

Um ótimo, raro e divertido trabalho, que vale a pena conferir.

Leno e Lilian (1966)

 

Que se matem os admiradores para decidir qual fica à frente, mas esse primeiro disco de Leno e Lilian é o único, a meu ver, capaz de rivalizar com o Coruja, de Deny e Dino, como o melhor trabalho de uma dupla realizado durante a Jovem Guarda.

As razões para isso são simples: trata-se de discos muito bem ensaiados, cantados, tocados e, entre originais e versões, extremamente equilibrados, dada a escolha acertada dos repertórios.

No caso desse disco, bem ao contrário do que aconteceria no Eu acredito (1967), onde parecem ter tido dificuldades para alcançar o mesmo nível de acertos, Leno e Lilian nos oferecem um conjunto de faixas organicamente integradas, que, de modo exemplar, reproduzem alguns dos requisitos essenciais do movimento e apontam o caminho para o sucesso: simplicidade, emoção e inocência.

Entre essas faixas, despontam três clássicos absolutos: “Devolva-me” (Lilian Knapp & Renato Barros), que muitos desinformados ainda pensam ser de autoria de Adriana Calcanhoto, que a regravou em 2000; “Eu não sabia que você existia” (Renato Barros); e “Pobre menina” (versão de Gileno para “Hang on sloopy”, grande sucesso do grupo The McCoys).

Quanto aos outros destaques, apontaria “Desculpas” (versão de Gileno para “Excuses”); “Meu coração bate” (versão de Lilian Knapp para “Can't you hear my heartbeat”); “Meu sonho de amor” (Gileno); e, sobretudo, “Veja se me esquece”, original de dois dos meus grandes heróis da Jovem Guarda, Dori Edson & Marcos Roberto.

Curiosa também é a presença de “O sol se põe no horizonte”, versão de Lilian para “I'll be on my way”, de John Lennon & Paul McCartney, gravada por Billy J. Kramer & The Dakotas em 1963, mas só lançada na versão dos Beatles em 1994, na coletânea Live at the BBC.

Ed Wilson – Verdadeiro amor (1966)

 

Temos aqui mais um capítulo da série: “por que esse artista não deslanchou?” E a pergunta faz todo sentido não só porque estamos falando de um jovem extremamente talentoso, que gravou um ótimo disco, mas que também teve seu nome eternizado na música que lista os maiores astros da jovem guarda: “Festa de arromba”, de Erasmo Carlos, como aquele que, quando chega, provoca um “corre-corre dos brotos do lugar”.

Considerando que, para aparecer nessa lista — e com tanto destaque! —, o artista não poderia ser apenas mais um “rostinho bonito”, é de surpreender que Ed Wilson só tenha voltado a gravar um disco solo em 1985 (Chuva de bênçãos), que não teve, aliás, a menor repercussão.

A explicação? Bem, pode haver muitas: resultados decepcionantes, problemas pessoais, concorrência feroz...

A verdade, porém, é que, apesar de longos hiatos como cantor, Ed Wilson nunca parou de atuar no meio musical, colaborando, sobretudo, como compositor. Dentro da própria Jovem Guarda, são várias as suas contribuições para a banda do mano Renato (onde tudo começou, deixando ele de ser um Blue Cap em 1961 para seguir carreira solo, e sendo substituído por um “tal” de Erasmo Carlos...), além de Leno, Wanderléa, Cleide Alves, Jerry Adriani, entre outros, seguindo, dessa forma, ao longo dos anos 70 e 80, ao ter músicas gravadas por grupos e artistas do calibre de: Roupa Nova, Fábio Júnior, Alcione, Sidney Magal, Fernando Mendes, José Augusto, The Fevers, Gal Costa (que imortalizou a sua bela “Chuva de prata”), Tony Tornado, Agnaldo Rayol, Antonio Marcos, Perla, Carlos Dafé, Benito di Paula e por aí segue, formando uma lista quase infindável...

Mas, quanto a esse lançamento, posso dizer que seus pontos baixos são muito fáceis de identificar: “Eu queria esquecer” (versão de Nazareno de Brito para “Je voudrais l'oublier”), que fecha o disco; e “Cantemos o hi-ho”, horrenda versão de Getúlio Côrtes para a norte-americana “Heigh-Ho”, da qual, felizmente, ele já se recupera na faixa seguinte, com a música título (versão para “It's only make believe”, gravada em 1958 pelo ídolo country norte-americano Conway Twitty).

As outras versões, por outro lado, superam, de longe, aqueles deslizes, com destaque para “Sandra” (de Gileno para “Sorrow”), “Vou partir” (de Renato Barros para “A fool such as I (now and then there's)”) e “Se você quer” (de Lilian Knapp para “Count me in”).

        Nas originais, Gileno, com “Pode ir para o seu novo amor”; e Jerry Adriani & A. Bourget, com “Não sei viver sem teu amor”, entregam belas composições, interpretadas por Ed com sua habitual maestria.

Paulo Sérgio (1968)

 

         Em 1968, os órfãos da Jovem Guarda se dividiam em três grupos: aqueles que já sabiam que não dava mais pé e buscavam novas alternativas, literalmente reiventando-se ou explorando novos gêneros (a exemplo do que fizeram o próprio Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Eduardo Araújo, Sérgio Reis e Ronnie Von); os que não perceberam a mudança dos tempos, caindo de vez na obscuridade ou tendo uma carreira bastante irregular (e exemplo de Waldirene, Bobby De Carlo e Wanderley Cardoso); e os que perceberam o fim do sonho, porém ficaram completamente desnorteados com relação ao rumo que dariam às suas carreiras (a exemplo de Wanderlea, Trio Esperança, Os Incríveis, Leno e Lilian...).

        Mesmo assim, em meio a todo esse contexto, ainda houve espaço para um último, refrescante e inesperado sopro de vitalidade, que, seja pelo romantismo das baladas, seja pelas levadas mais pop rock de algumas faixas, garantiu à Jovem Guarda aquela que seria a sua última grande estreia: o LP Paulo Sérgio.

        Quando lançou esse primeiro disco, no início de 68, certamente Paulo Sérgio não imaginava o avassalador sucesso que alcançaria nem, muito menos, tinha pretensões de usurpar a realeza de Roberto Carlos, apesar de muitos comunicadores e fofoqueiros de plantão declararem-no, levianamente, como seu legítimo sucessor.

           Na verdade, em termos de provocação midiática, podemos dizer que Paulo Sérgio foi o Ronnie Von dos últimos tempos da Jovem Guarda. Por outro lado, do ponto de vista da aclamação, foi o único cantor do Brasil que, ao lado de Wilson Simonal, tinha reais possibilidades de ofuscar a popularidade do Rei.

            No entanto, todos sabemos o que aconteceu...

  Simonal foi vítima da patota Tropicalista, que adorava chamar “turismo” de “exílio” e não suportava o fato de que o Rei da Pilantragem podia andar livremente pelas ruas, sem ligar a mínima para a cartilha esquerdista. Tão pouco dava bola, do alto de seus milhões de discos vendidos, para uma turma que criava versos incompreensíveis, não passava de 40 mil cópias vendidas por lançamento, e confundia o “povo” de verdade com a “elite acadêmica”, que alimentava seus egos e, no fundo, sempre abusou de falsa erudição para desprezar os verdeiros ídolos populares.

           Quanto a Paulo Sérgio, logo veio a pecha de imitador de Roberto Carlos (o que não é nada justo) e a ideia de que, se não tomasse providências, o rei da Jovem Guarda seria logo destronado por esse ex-ajudante de alfaiate (coincidentemente, também nascido no Espírito Santo), que lançara um disco de estreia espetacular e fizera o Brasil inteiro cantar o hit instantâneo “Última canção” (de Carlos Roberto).

          O assunto foi tão longe que, reza a lenda, Roberto Carlos, assustado com a ameaça, teria feito questão de intitular o seu magnífico disco daquele ano (por sinal, sua despedida da Jovem Guarda), de “O inimitável”, exatamente como resposta à suposta pretensão de Paulo Sérgio de querer imitá-lo. Na verdade, nada além de suposição, muito embora possamos afirmar que ninguém se surpreenderia, caso fosse confirmado que os “agentes” de Roberto conspiraram, de algum modo, para sufocar o novo ídolo, muito embora sem sucesso.

         Além disso, a exemplo do que já comentamos acerca de Ronnie Von (no sentido da exclusão descabida) e poderíamos também comentar acerca de Antônio Marcos (só que no sentido da inclusão descabida, visto que apenas lançaria seu primeiro disco em 1969, com o movimento, portanto, já enterrado), aqui não cabe aquela velha discussão sobre a filiação de Paulo Sérgio à Jovem Guarda, simplesmente por não ter participado do programa da TV Record. Mais uma vez, aos mais incautos sobre o tema, reiteramos que o programa jamais iniciou o movimento, mas, apenas, pegou carona em seu sucesso radiofônico, massificando-o ainda mais através da televisão.

             Outra prova de que "a" Jovem Guarda (movimento musical) precede "o" Jovem Guarda (programa televisivo) está no fato de que nenhum executivo da Record teria sugerido ocupar o horário vago aos domingos (das 14 às 16 horas, após a proibição das transmissões de partidas de futebol) com um produto que não tivesse retorno garantido. Por isso, ao criarem o programa, todos sabiam que ia dar certo, pois o movimento já estava consolidado em todo o Brasil, pelo menos desde 1964, quando, pela primeira vez — e sem contar os pioneiros da era pré-Jovem Guarda! —, um rock original (e não uma versão) alcançou o primeiro lugar das paradas de sucesso, desbancando os gêneros tradicionais: “Rua Augusta”, de Hervê Cordovil, cantado por seu filho, Ronnie Cord.

     Da mesma forma, para “fazer” Jovem Guarda, não era necessário apresentar-se no programa, pedir a bênção a seus líderes, nem dividir a mesa com seus participantes mais ativos. Em verdade, não custa acentuar — mais uma vez! —, o início do programa jamais significou o início do movimento, nem, tão pouco, o seu cancelamento teria significado o fim. No máximo, e ainda com ressalvas, poderíamos dizer que o fim do programa significou, apenas, o prenúncio do fim. Nada mais que isso.

   Tendo em vista todas essas considerações, esse primeiro álbum de Paulo Sérgio (e apenas ele) é item obrigatório na discografia da Jovem Guarda, pois é certo que bebe de sua fonte, reproduz sua pegada musical e possui um repertório extraordinário, inclusive com várias faixas autorais e outra conexão quase imperceptível com o movimento: o registro de “Pro diabo os conselhos de vocês”, de Carlos Imperial (sempre ele!) e Nenéo, que apareceria no mesmo ano no disco Erasmo, do Tremendão, só que rebatizada como “Para o diabo os conselhos de vocês”.

             Aliás, para desespero da crítica do tipo “só amo quem tem diploma”, esse disco pode ser facilmente citado entre as dez ou quinze melhores estreias da história da MPB (ao lado, por exemplo, dos primeiros álbuns de artistas como Jorge Ben, Erasmo Carlos, Raul Seixas, Martinho da Vila, Elba Ramalho, Zé Ramalho, Mutantes, Plebe Rude, Legião Urbana etc.). Uma lista, de fato, bastante seleta, na qual nem o próprio Roberto Carlos se encontra, uma vez que renega — e com toda razão! — o seu primeiro e fraquíssimo álbum, Louco por você (1961).

             Enfim, fofocas à parte, temos aqui um disco marcante, que merece ser ouvido com atenção e, certamente, alguma tristeza, por lembrar-nos da enorme perda que o desaparecimento de Paulo Sérgio significou para nossa verdadeira música popular.

Ronnie Von (1967)


O próprio Ronnie Von, em várias entrevistas, já afirmou que jamais fez parte da Jovem Guarda, muito embora a maioria dos críticos insista em relacioná-lo (bem como a alguns de seus discos) ao movimento.

Mas, afinal, quem está certo?

Na verdade, dependendo do ângulo, podemos dizer que os dois lados estão certos.

Sobre a negativa de Ronnie, tudo fica mais fácil de entender se considerarmos que ele não participou do “programa” Jovem Guarda; mas, sim, “da Jovem Guarda”, como movimento. Senão, haveria coisa mais absurda do que considerar que o principal concorrente do “rei” da Jovem Guarda (e, por isso mesmo, cognominado “príncipe”), não fez parte, ainda que indiretamente, do movimento liderado por Roberto Carlos? 

E que dizer do repertório, das influências e do estilo adotados por Ronnie, sobretudo nos álbuns: Ronnie Von, de 1966; e neste, de 1967, que, bem mais do que aquele, preza pela originalidade e não abusa tanto de versões (algumas delas, simplesmente, horrendas!) do repertório dos Beatles?

Aproveitando a deixa, e ignorando essa questão irrelevante sobre a filiação do cantor, é sempre bom salientar que o melhor disco de Jovem Guarda de Ronnie não é aquele primeiro (Ronnie Von, 1966), que, diferentemente desse, parece feito às pressas e mostra-se totalmente desprovido de entusiasmo, identidade e originalidade, apesar de cultuado pela maioria dos fãs. 

Já nesse trabalho, de 1967, sente-se o cantor bem mais à vontade, empenhado na busca por uma sonoridade mais rica, própria e original, apesar de aparecerem, ainda, algumas versões – só que mais bem feitas que as anteriores e com arranjos menos juvenis.  

Mas há também um estranho paradoxo aqui: afinal, ao mesmo tempo em que esse disco marca sua adesão, marca também sua despedida da Jovem Guarda, considerando-se que, no Volume 3 (1967), já temos o embrião do Ronnie Von experimentalista, que alcançaria o auge de sua criatividade nos dois discos de 1969 (Ronnie Von e A misteriosa luta do reino de Parassempre contra o Império de Nunca Mais) e 1970 (A máquina voadora).

No entanto, como se não bastasse a abertura com seu maior sucesso, “A praça” (Carlos Imperial), esse disco traz outros bons momentos, com destaque para: “Escuta, meu amor”, “Vamos protestar”, “Igual a Peter Pan” (ótima!), “Se alguém chorou”, “Menina flor”, “Minha história”, “O mundo que eu pensei” e, finalmente, “O Carpinteiro”, versão de Carlos Wallace para “If I were a carpenter”, de Tim Hardin, que alcançou enorme sucesso com a regravação de Bobby Darin e, há alguns anos, estourou na internet, ao embalar a dancinha de três irmãos desinibidos, o que fez os mais incautos acharem que se tratava de coisa bem recente, modinha de tiktok ou coisa parecida. Quanta ingenuidade! Afinal, se parece bom e aparece agora, pode ter certeza de que veio, sem dúvida, de algum lugar do passado!

Ponto pra Ronnie. De novo!

Ronnie CordRua Augusta (1964)

 

Nas resenhas anteriores, sobre os discos Ronnie Von (1967) e Paulo Sérgio (1968), dediquei algumas linhas ao esclarecimento (sempre necessário!) de que a Jovem Guarda não se inicia com o programa televisivo (1965), especialmente pelo fato de que, pelo menos desde o fim de 1963, já parecia muito claro aos empresários da indústria fonográfica brasileira que esse tal de “iê iê iê” não era coisa que ficaria circunscrita à gringa, mas um fenômeno que, dentro em pouco, também chegaria do lado de cá.

Isso ficou especialmente claro com a “British invation”, liderada pelo Beatles em 1964, e só pessoas muito desinformadas acreditariam que uma aposta tão alta poderia teria sido feita pelos idealizadores, produtores e, sobretudo, patrocinadores do programa, sem que tivessem garantias mínimas de retorno financeiro.

Noutras palavras, bem ao contrário do que muitos pensam, nem a Jovem Guarda foi um movimento criado instantaneamente, a pretexto de montar o cast do programa; nem o programa Jovem Guarda foi um tiro no escuro, mas um projeto resultante de um estudo de viabilidade, que levou em conta as inclinações do mercado e revelou que, a partir de 1964, haveria uma grande mudança na indústria, fundamentada na beatlemania.

No caso específico do Brasil, já havia indícios claros, desde os precursores do movimento, ainda oriundos da leva de fins dos anos 50 para início dos 60 (Bolão e Seu Conjunto, Betinho e seu conjunto, Sérgio Murilo, Celly Campelo, Tony Campelo, Reynaldo Rayol, Carlos Gonzaga etc.), de que esse tal de “rock” era um bom investimento.

Mas, certamente, existem alguns marcos que nos permitem reconstituir com mais objetividade o percurso que nos leva desses precursores em direção à Jovem Guarda, propriamente dita. Vejamos, então.

A primeira sinalização positiva à indústria foi, segundo me parece, a colocação inédita que a chamada “música jovem” alcançou no hit parade do ano de 1963, emplacando três músicas entre as dez mais: “Splish Splash” (a mais bem colocada), versão de Erasmo Carlos, que Roberto Carlos gravou em seu 2º LP e o ajudou, finalmente, a deslanchar a carreira; “Boogie do bebê”, de Tony Campello; e “Filme triste”, do Trio Esperança.

Porém, a surpresa aumentou quando outra versão, desta vez feita e gravada por Demétrius para “Rhythm of the rain”, do grupo The Cascades, e conhecida, cá entre nós, como “Ritmo da chuva”, alcançou, nesse mesmo ano, o primeiríssimo lugar!

         Depois de tantas demonstrações, faltava apenas a prova definitiva de que o “iê iê iê” viera para ficar, mas não apenas adaptando sucessos já assimilados pelo público norte-americano ou europeu (através de versões), e, sim, investindo em composições originais, de lavra genuinamente nacional. E foi justamente nessa ocasião que, em março de 1964, o experiente Hervé Cordovil compôs a música “Rua Augusta”, passou-a a seu filho, e este garantiu que, em questão de dias, esse roquinho despretensioso chegasse ao topo das paradas! O nome desse cantor? Ele mesmo: Ronnie Cord.

A partir desse marco (que me parece ser, de fato, o original), a coisa ganharia cada vez mais vulto, invadindo estúdios, lares e corações, por, pelo menos, mais quatro anos. Prova disso é que, já “crescidinho” dentro da mídia e com um aparato empresarial e técnico cada vez mais sofisticado, Roberto Carlos lança, naquele mesmo ano (1964), o primeiro megadisco da história do rock nacional: É proibido fumar, enterrando de vez qualquer tentativa de frear o avanço do gênero no país, tamanha a quantidade de sucessos que o álbum emplacou: “É proibido fumar”, “O calhambeque”, “Um leão está solto nas ruas”, “Rosinha”, “Broto do jacaré”, “Jura-me”, “Nasci para chorar” – e por aí vai...

Mas, certamente, o fator crucial que convenceu não apenas Roberto, mas, como já dito, toda a indústria fonográfica brasileira, de que essa era mesmo a onda do momento, não foi outro, senão o sucesso de “Rua Augusta”, que abriu as portas para toda uma talentosa, entusiasmada e batalhadora geração de jovens artistas, não mais vinculada às elites acadêmicas, econômicas ou sociais do país, a exemplo do que já havia sido visto entre os garotos de Ipanema, durante a eclosão da Bossa Nova; e seria visto um pouco mais tarde, através de alguns membros do Tropicalismo.

Nada disso, certamente, descredencia esses dois movimentos dentro da história da Música Popular Brasileira, mas também não esconde sua posição incômoda frente à Jovem Guarda, com a qual sempre foram ressabiados, sobretudo, por conta de sua imensa popularidade. Por isso mesmo, como prova de um dos mais entranhados casos de “inveja” da história de nossa música, a Jovem Guarda foi (e ainda é!) taxada de “alienada” por muita gente, que se dizia “contrária ao sistema”, mas, na verdade, sobreviveu (e alguns ainda sobrevivem) deitada à sombra desse mesmo “sistema”!

Mas, voltando ao disco, é claro que o apelo massivo a versões e covers configura uma tentativa de capitalizar, ao máximo, o sucesso de “Rua Augusta” e alavancar de vez a carreira de Ronnie — objetivos que, infelizmente, não foram atingidos, apesar de o resultado ter sido bastante satisfatório, graças, sobretudo, ao desempenho do cantor e à escolha cirúrgica do repertório, que incorpora clássicos como “My Bonnie”, “Veludo azul”, “Viva Las Vegas”, “Roberta”, ”Brotinho difícil”, “Biquini de bolinha amarelinha tão pequenininho”, entre outros, que, mesmo não tendo garantido a Ronnie a longevidade desejada, ratificam, sem sombra de dúvidas, seu papel de fundador.  

Tudo isso, diga-se de passagem, muito antes de o programa Jovem Guarda ir ao ar em 22 de agosto de 1965, para encerrar suas atividades em 24 de outubro de 1968, após sofrer o golpe fatal que foi a saída de Roberto Carlos, em 17 de janeiro de 1968.

Desse modo, mal chegado o ano de 1969, o movimento musical alavancado por Ronnie Cord, popularizado por Roberto Carlos e reverenciado por gerações de roqueiros, chegava ao fim.

Célia Villela - F-15 Espacial (1964)

 

Nesse que é um dos discos fundamentais para enterdermos o processo de consolidação da Jovem Guarda a partir de 1964, temos algumas qualidades que só serão encontradas em discos top de linha do movimento e nos levam a questionar (a exemplo de tantos outros) por que Célia Villela encerrou a carreira de forma tão abrupta após publicá-lo.

De início, vale destacar uma rara habilidade, que é arriscar-se a cantar em outros idiomas, algo que ela fez com extrema maestria tanto em inglês quanto em espanhol, nos registros de “I could have danced all night” (Alan Jay Lerner/Frederick Loewe) e da clássica “Perfidia” (Alberto Dominguez), a qual teve o cuidado de adicionar uma batida mais “roqueira”, fugindo, assim, do tom “bolerístico” do original.

Além disso, em termos de colaborações, temos aqui mais uma oportunidade de comprovar o quanto dois jovens compositores, Roberto e Erasmo Carlos, estavam empenhadíssimos naquela fase de suas carreiras a consolidar o estrelato, posto que apresentam, através de Célia, mais três músicas inéditas: “O dia que não vem” (apenas de Erasmo), “Acho que me apaixonei” (de Roberto Carlos e Edson Ribeiro) e “Alguém na vida da gente” (de Roberto e Erasmo).

Mas, ao contrário do que essas colaborações de peso poderiam sugerir, o caráter autoral não fica ausente do disco, uma vez que temos cinco composições próprias de Célia, todas em parceria com Carlos Becker, guitarrista base do The Youngsters e irmão de um dos destaques instrumentais do disco, o brilhante saxofonista Sérgio Becker: “Desculpa”, “Lição de violão”, “Dançando o hully gully”, “F-15 espacial” e “Assim é o meu amor”.

Para fechar, uma versão da própria Célia para “Fall in'”, de Neil Sedaka e Howard Greenfield, intitulada “Caidinha Por Você”; e, completando o excelente repertório, uma divertida contribuição de Carlos Becker chamada “Pegando Jacaré”.

É indispensável ressaltar também que esse disco jamais teria uma musicalidade tão vibrante, não fosse – mais uma vez! – o magnífico desempenho da banda The Youngsters, uma das melhores da Jovem Guarda e também responsável por abrilhantar, com sua levada rockabilly-surf music, outro grande lançamento do mesmo ano: o álbum É proibido fumar, de Roberto Carlos; repetindo a dose no ano seguinte, ao acompanhar o Rei em outro clássico, o LP Jovem Guarda.

Desse modo, com F-15 Espacial, um disco inovador até mesmo no nome, Célia Villela encontra seu lugar não só entre as grandes compositoras e intérpretes da Jovem Guarda, mas também inscreve esse álbum na lista dos mais importantes legados femininos do período, ao lado dos discos de Wanderlea, Silvinha, Waldirene e Cleide Alves, que serão resenhados mais à frente.

Erasmo Carlos – A pescaria (1965)

 

Abrir o seu primeiro disco com “A Pescaria” foi uma sábia decisão por parte de Erasmo. Divertidíssima, a música não apenas dá o tom desse disco, mas da maioria das músicas que o artista gravaria nos discos posteriores, considerando-se que “amor” e “humor” sempre foram as duas vertentes principais que sustentaram sua obra, especialmente em seus três primeiros álbuns (A pescaria, Você me acende e O Tremendão). Além disso, a música título também virou um hit instantâneo, embora os maiores, sem dúvida alguma, tenham sido as clássicas “Festa de arromba” e “Minha fama de mau”, que ratificaram tanto coletiva (no caso da primeira), quanto individualmente (no caso da segunda), a chegada irreversível da Jovem Guarda como “onda do momento” e a faceta de bad boy que, apesar de sempre ter sido um “gigante gentil”, Erasmo Carlos assumiria daí por diante.

Detalhe importante: todos os três hits citados resultam, pra variar, da mágica parceria entre Erasmo e Roberto Carlos, iniciada cerca de dois anos antes.  

Num momento em que a Jovem Guarda provocou uma espécie de “revolução dentro da revolução”, uma vez que, naquele tempo, havia muita “turbulência” entre várias vertentes da MPB, que se acotovelavam a fim de manter (Samba, Bossa Nova, Bolero) ou conquistar uma vaga no plantel das gravadoras, nos meios de comunicação e nos corações dos ouvintes, Erasmo soube seguir a receita, entregando um trabalho capaz de atender às expectativas de crítica e público, graças a sucessos como: “Beatlemania” (Erasmo Carlos e Renato Barros), “Sem teu carinho” (José Messias), “Terror dos namorados” (Erasmo Carlos, Roberto Carlos), “Dia de escola” (“School day”, de Chuck Berry, versão de Erasmo) e “Gamadinho por você” (Renato Barros), só para citar as mais expressivas.

Com esse repertório e Renato e seus blue caps e Golden Boys dando o ar da graça, só poderíamos estar diante de uma das melhores estreias do período.

Erasmo Carlos – Você me acende (1966)

 

Bom humor, criatividade, energia: é isso que nos espera nesse, que é o melhor momento do Tremendão na era da Jovem Guarda.

Iniciando pelo campo das versões, aproveitemos esse momento para ampliar algumas reflexões acerca desse recurso, cujo emprego não deve ser considerado nenhum demérito, sobretudo por conta dos seguintes fatores:

primeiro, embora pareça o contrário, o papel de facilitação que as versões exerceram junto ao público brasileiro, ao permitirem que tivesse um primeiro contato com músicas estrangeiras de grande sucesso, mas de acessibilidade limitada por conta das letras, foi imenso. Tanto é assim que, até hoje, há pessoas que conhecem apenas as versões de alguns hits e, quando conhecem as originais, ainda assim preferem as versões nacionais, que enlarguecem consideravelmente sua experiência como ouvinte.

Segundo, não fosse por algumas versões, músicas de pouca repercussão em seus países de origem, às vezes parte do repertório de bandas e cantores bem obscuros, teriam, simplesmente, desaparecido, morrido na fonte, sem desfrutarem da possibilidade de serem conhecidas, ao menos, em outros países, ainda que sob idiomas diferentes.

Terceiro, fica claro, pelos itens anteriores, que os versionistas brasileiros (bem como quaisquer outros, já que esse não era um hábito exclusivamente nosso) não eram aproveitadores do talento alheio, apropriadores indébitos ou adulteradores de obras. Bem ao contrário, a produção de versões (especialmente na Jovem Guarda) mostra o quanto muitos versionistas foram, antes de tudo, exímios pesquisadores, caçadores de pérolas muitas vezes perdidas, não apenas no mercado fonográfico latino-americano, mas também dos Estados Unidos e da Europa.

Assim sendo, em muitos casos, compositores e artistas de outros países teriam muito a agradecer aos nossos versionistas, por terem permitido que fizessem sucesso fora de seus países ou, até mesmo, que certas músicas já fadadas ao esquecimento ou de pouca repercussão em seus berços, gozassem por aqui de uma longevidade e popularidade muito maiores.

Em quarto lugar, é preciso lembrar que ser versionista não é tão fácil quanto parece, nem significa, de forma alguma, ser incapaz de compor músicas próprias. Pelo contrário, muitos versionistas já se revelaram ótimos compositores e, quando investiram em versões, muitas vezes criaram letras superiores às originais, demonstrando, assim, que versão não é apenas “apropriação”, mas também “(re)criação”. É o que nos leva, por fim, ao quinto ponto:

Longe de destruí-las (como, de fato, já aconteceu a muitas delas), os versionistas da Jovem Guarda já foram capazes de melhorar diversas músicas adaptadas, nas quais o exercício da criatividade e o manejo poético reinventaram (ou até criaram) inúmeros clássicos, renascidos a partir de um ponto de vista local. Bons exemplos disso são a versão de Os Incríveis para “Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones” e a versão de Erasmo Carlos para “Splish Splash”, de Bob Darin, que, na minha opinião, melhoraram substancialmente as versões originais.

         Assim, satisfeita a teorização, nesse segundo álbum de Erasmo Carlos encontramos apenas quatro versões, mas tão bem selecionadas e, sobretudo, elaboradas, que fogem bastante do lugar comum.

         A começar pela música título, “Você me acende” (You turn me on – Ian Whitcomb), e de “Cuide dela direitinho” (Treat her right, de Roy Head – grande sucesso na voz de Tom Jones), temos duas provas incontestáveis do quanto Erasmo Carlos era um dos maiores versionistas de sua época, não bastasse ser um dos maiores compositores (quer isolado, quer em parceria de Roberto Carlos) da história da MPB.

Fechando o quadro de versões do disco, temos “O homem da motocicleta” (“Motorcycle man”), do próprio Erasmo, que também fez grande sucesso na voz de Wilson Simonal, citado na música; e “Deixa de banca” (Les cornichons – N. Ferrer & J. Booker), saída da pena de outro jovem-guardista talentoso: Eduardo Araújo.

A essas, somam-se grandes composições originais, perfazendo um disco poderoso, que abusa da capacidade de enternecer-nos: “A carta” (Raul Sampaio, Benil Santos) e “Gatinha manhosa” (Roberto Carlos, Erasmo Carlos); divertir-nos: “É duro ser estátua”, “Peço a palavra”, “Alô, benzinho” (todas de Roberto Carlos, Erasmo Carlos) e “O disco voador” (Gyleno); e, até mesmo, causar-nos inveja de uma geração mais sadia e corajosa, que era capaz de viver a vida sem choradeira, afetação e mimimi: “O carango” (Carlos Imperial, Nonato Buzar) e “S.O.S.” (Gyleno, Getúlio Côrtes).

         Um disco, simplesmente, sem pontos negativos. Ouça sem parar! 

Erasmo Carlos – O tremendão (1967)

 

Com produção de Manoel Barembeim, que mais tarde produziria de Jorge Bem a Gal Costa, e seria um dos produtores mais requisitados do Brasil na transição entre os anos 60 e 70, Erasmo Carlos segue a fórmula do disco anterior, contando, desta vez, com um maior suporte dos colegas de Jovem Guarda, que não deixaram a desejar em suas contribuições. Entre as principais, temos: “O Tremendão”, música com que Dori Edson e Marcos Roberto, simplesmente, consagram o apelido que Erasmo adotaria por toda a carreira; “Não vivo sem você”, de Roberto Corrêa (Golden Boys) e Rossini Pinto; “Eu não me importo”, de Deny e Dino; e, para fechar, as presenças de Carlos Imperial e Eduardo Araújo, que, além da ótima “Faz só um mês”, também assinam o maior hit do disco (e um dos maiores da carreira de Erasmo), a explosiva “Vem quente que eu estou fervendo”. Curiosamente, essas mesmas músicas seriam regravadas pelo próprio Eduardo no clássico “O Bom”, também de 1967, o que ajuda a explicar porque aquele disco é (sem trocadilhos!) tão bom.

Além disso, temos um Erasmo que parece ter flertado intensamente com o passado na pré-produção desse disco, sobretudo quando nos deparamos com a bela valsa de F. Matoso e Lamartine Babo, “Eu sonhei que tu estavas tão linda”; e “O sonho de todas as moças”, dele mesmo. Quase um intermezzo entre as partes mais agitadas, posto que esta fecha o lado A e aquela abre o lado B.

Por fim, numa sábia decisão do cantor e de sua equipe de produção, temos o resgate de duas grandes pérolas de seu repertório, ambas lançadas antes mesmo dele gravar seu primeiro disco, em 1965: “O dono da bola”, dele e de Roberto Carlos, que Cleide Alves gravara no ótimo Twist, Hully-Gully e Cleide Alves, em 1964, sob o nome de “Supresa de domingo”; e “Estrelinha”, versão de Paulo Murillo para “Little Star”, de Arthur Venosa e Vito Picone, que o Tremendão gravara em 1963, na única ocasião em que atuou como vocalista principal do Renato e seus blue caps, cantando, inclusive, algumas músicas em inglês. 

Um fechamento à altura para a grande tríade de Erasmo Carlos durante a Jovem Guarda, considerando-se que, após esse lançamento, os próximos álbuns do cantor (O Tremendão: Erasmo Carlos, de 1967 e Erasmo, de 1968) padeceriam de uma inconsistência qualitativa aterradora, da qual só se recuperaria com “Erasmo Carlos e os Tremendões”, de 1970, iniciando uma série extraordinária, de que fazem parte seus  maiores lançamentos: Carlos, Erasmo (1971), Sonhos e Memórias (1972), 1990 - Projeto Salva Terra (1974) e Banda dos Contentes (1976).

Dori Edson (1968)

 

         Belos arranjos orquestrais do maestro Portinho (em que as inserções pontuais da flauta, por exemplo, são excelentes!), produção primorosa de José Mauro Pires e ótimas composições, marcam esse lançamento do grande Dori Edson, um dos mais subestimados artistas da última fase da Jovem Guarda.

Depois de muito atuar nos bastidores, Dori Edson foi estimulado por amigos a passar para trás do microfone e fazer valer, também como intérprete, o talento que já o consagrara como compositor, especialmente através da parceria com Marcos Roberto, que assina a apresentação do disco e pontua, com muita sabedoria, que ele será “uma surpresa” para todos, trazendo “novos sons, melhor aproveitamento dos instrumentos usados e arranjos ´bem pra frente`”.

De fato, Marcos Roberto não poderia ter sido mais preciso, haja vista que, desde a primeira audição, não só se confirmam essas previsões, como também destaca-se o caráter autoral de uma obra que possui nada menos que 11 composições da dupla Marcos Roberto/Dori Edson, deixando espaço para apenas mais uma contribuição, a lamentosa “Pode voltar”, de Martinha, que abre o lado B.

Em verdade, são tantos destaques, que fica difícil discorrer sobre todos. Mesmo assim, pode-se dizer que, ao lado da já citada autoralidade, os arranjos são um diferencial importante não só de um ponto de vista estritamente musical, mas também porque ajudam a compensar as evidentes limitações vocais do artista, fazendo com que disponha de um lastro mais seguro para poder levar adiante sua acanhada, porém cativante interpretação.

Tendo lançado apenas 3 compactos anteriormente (dois em 1966 e um em 1967), talvez essa insegurança como intérprete explique porque Dori Edson demorou tanto para lançar esse seu primeiro e, infelizmente, último disco, já que, nos anos seguintes, resolveu dedicar-se, apenas, às atividades de composição – na qual se saiu, aliás, muito bem.

De qualquer modo, para quem preza por um disco eficiente, deleitoso, ricamente composto e conduzido com absoluto esmero artístico, temos aqui mais um daqueles exemplares indispensáveis, que marcam o último ano de existência da Jovem Guarda e traz composições marcantes, com absoluto destaque para a belíssima e inoxidável “Perto dos olhos, longe do coração”, cujo primeiro registro teria ocorrido ainda em 1967, no obscuro disco “Aza branca”, da obscura banda Os Atômicos; sendo regravada, posteriormente, por inúmeros artistas.

Outro destaque - impossível ignorá-lo! - é a curiosa “É uma loucura amar quando se ama com loucura”, que inicia com uma orquestra desafinada, à procura do tom; oscila criativamente do rock ao bolero; e apresenta, a meu ver, a interpretação mais “solta” de Edson, em todo o álbum. Para quem tanto se surpreende com o experimentalismo sonoro de Raul Seixas, Ronnie Von ou os Mutantes, ainda na virada dos anos 60 para os 70, essa música, de fato, é uma preciosidade, que merece ser conferida.

Talvez – nunca é demais frisar - o disco mais subestimado de toda a Jovem Guarda. Corra para a vitrola!

Os Vips (1966)

 

Como uma das melhores da Jovem Guarda (ao lado de Os Jovens, Leno e Lilian e Deny e Dino), essa dupla, formada pelos irmãos Ronaldo Luís e Márcio Augusto Antonucci, ocupou definitivamente o seu lugar entre os grandes após o lançar esse LP, o segundo de sua breve, porém marcante carreira.

O disco foi um estrondoso sucesso, sobretudo graças ao estouro de “A volta”, mais um clássico da parceria entre Roberto e Erasmo Carlos, que abre um repertório distribuído de modo a equilibrar versões e canções originais dos dois lados do álbum: sendo duas originais e quatro versões do lado A; e duas versões e quatro originais do lado B.

Como resultado desse planejamento quase “matemático”, que mostra o cuidado com a produção, temos uma sequência equilibrada de músicas, que favorece, sobremaneira, o desempenho dos rapazes.  

Entre as versões presentes, temos duas de músicas dos Fab Four: “Michele” e “Thank you girl” (“Obrigado garota”), às quais se juntam mais quatro, sendo duas muito boas: “Para Quem Sabe Amar” e “Estranha expressão nos teus olhos” (“Land Of 1000 Dances”); e duas muito fracas: “Aline“ e “Ia ia O (Old Mac Donald)”, que, infelizmente, fecha o disco de forma bem decepcionante, já que se trata de uma daquelas músicas que já são insuportáveis desde a origem.

Sobre a versão de “Aline” (da própria dupla, para a música do francês Christophe, lançada no ano anterior) é curioso notar que, assim como “Michele” (na mesma versão de Rossini Pinto, que encontramos aqui), ela também foi gravada no mesmo ano em compacto e, posteriormente, em seu segundo LP, por Agnaldo Timóteo, só que com versão diferente, de autoria de Nazareno de Brito.

Coincidência? Cópia de projeto? Impulso irresistível, face ao elevado prestígio das canções?

Talvez, tudo isso e mais um pouco tenha concorrido para essa decisão, a meu ver, precipitada. Afinal, parece-me claro que Timóteo, que despontava, à época, mesmo na contramão da Jovem Guarda, como um dos maiores cantores do país, tem um desempenho visivelmente superior, em ambos os casos.

Num cantor mais arrojado como Agnaldo, o tom solene que empresta às suas gravações (com direito até a um backing vocal de propensões lírico-operísticas) flui com bastante naturalidade. Mas, no caso de uma dupla juvenil como Os Vips, com direcionamento mais pop rock, manter esse tom soa um tanto deslocado, pretencioso e impositivo, embora não chegue a ser comprometedor. 

Quanto às originais brasileiras, as do lado A são excelentes: “A volta” (Roberto e Erasmo) e “Longe tão perto”, da própria dupla. Já do lado B, entra em cena um grupo talentoso de compositores: Marcos Roberto e Dori Edson (“Prova de Amor” e “Tiro e queda”); sendo as outras “O pão duro”, de Getúlio Cortes; e “Beijos para amar”, do simpático Aladim, guitarrista do grupo The Jordans, responsáveis pela maioria dos acompanhamentos do disco.

Os Incríveis – Para os jovens que amam os Beatles, Rolling Stones e... Os Incríveis (1967)

 

A banda, que antes se chamava The Clevers e fazia, basicamente, música instrumental, seguindo a tendência de contemporâneos como o The Jet Blacks e o The Jordans (onde, aliás, alguns deles tocaram antes de se reunir), contava, nesse disco, com sua clássica formação: Domingos Orlando (Mingo): guitarra e vocal; Waldemar Mozena (Risonho): guitarra; Antônio Rosas Sanches (Manito; nascido na Espanha): teclados e saxofone; Lívio Benvenuti Júnior (Nenê): baixo e vocais; e Luiz Franco Thomaz (Netinho): bateria.

Para se ter uma ideia do quanto esse disco é fenomenal, façamos uma breve comparação: a primeira (e melhor) coletânea de Os Incríveis veio à luz em 1976, e traz 14 músicas. Simplesmente, metade delas faz parte desse LP! Em outras palavras, trata-se de um LP tão bom que é, praticamente, uma coletânea!

Além disso, vale a pena chamar a atenção para a afiada seleção musical e, para a execução, nem se fala, com leve destaque para o baixo de Nenê e o sax de Manito, que, muito bem casados nas ótimas versões de “Minha oração” (My prayer) e “You know what I want”; ou, em separado, como em “O homem do braço de ouro” (sax) ou “Czardas” (baixo), não nos deixam mentir sobre a elevada competência técnica desses músicos.  

Outra sábia escolha do disco (não sei por mérito da banda ou da produção), foi manter a tendência de gravar músicas instrumentais (7) ao lado de músicas cantadas (5), uma mistura que deu muito certo, posto que soube atender a diferentes fatias de público.

         Enfim, difícil resenhar o melhor disco de uma das melhores bandas da Jovem Guarda, composta por garotos extremamente talentosos, que, aqui, viviam o auge de suas carreiras, como não nos deixa mentir o fantástico repertório que nos apresentam. Tanto é assim, que o maior hit do disco é uma das versões mais importantes do rock brasileiro: "Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones", feita pela própria banda para "C’era un ragazzo che come me amava I Beatles e I Rolling Stones", de Franco Migliacci e Mauro Lusini, sucesso na voz de Gianni Morandi na Itália e, cá entre nós, também no início dos anos 90, com os Engenheiros do Hawaii.

Ainda sobre essa música, vale apontar algumas curiosidades: os sons de metralhadora no início e no final não constam no original italiano, bem como o arranjo de sopro e coral de Ennio Morriconi (!) durante o “tatadá-tadá”, que foi substituído, aqui, pelo órgão.

Outra significativa contribuição brazuca à música foi a inserção de um pequeno trecho da marcha fúnebre do exército norte-americano em seu minuto final — detalhe que fez, sem dúvida, uma grande diferença.

De modo geral, com essas alterações sobre a música original, Os Incríveis demonstram algo que, para muitos, é um tremendo exagero, mas não para mim: eles são a banda da Jovem Guarda (e, provavelmente, de todo o rock brasileiro) que, pelo menos do ponto de vista do desempenho de seus músicos e dos arranjos, mais melhorou, em suas versões, originais trazidos da gringa. Duvidam? Então, que tal comparar, além de “Era um garoto...”, também as versões de “Israel” (Bruno Zambrini, Ruggero Cini, Franco Migliacci), outro sucesso de Gianni Morani; e “I love you” (Chris White), do The Zombies, que aparecem no disco do ano seguinte, Os Incríveis Internacionais?

Tivessem eles cantado em italiano e inglês, idiomas originais daquelas belas composições, poderiam ter facilmente eliminado qualquer contestação preconceituosa de que, como banda tupiniquim, não seriam capazes de reproduzi-las e até superá-las, mesmo em suas línguas maternas.

No entanto, o comparativo entre as versões de lá e de cá não deixa dúvidas quanto à extraordinária competência da banda que, infelizmente, não soube planejar muito bem a carreira, razão pela qual não desfruta, até hoje, de um status ainda mais elevado, mesmo junto aos ouvintes mais experientes de rock.

Nesse sentido, é lamentável que tenham lançado discos tão fracos posteriormente a 1968 e encerrado, como banda, suas atividades tão cedo.   

       Quanto ao disco, simplesmente, ouçam. Afinal, em se tratando desse álbum, estamos inseridos no reduzido e disputado mundo dos top ten da Jovem Guarda. Um clássico!

Silvinha (1968)


          Em pleno ocaso da Jovem Guarda, Silvinha ainda encontrou tempo para deixar sua marca com esse lançamento, que, por sinal, está acima de muitos discos femininos normalmente elencados entre os melhores do movimento, mas que deveriam, com certeza, ser reavaliados, tais como A Rainha da Juventude (1965), de Meire Pavão; Rosemary (1967); e os dois de Martinha (Eu te amo mesmo assim, 1967; e o de 1968), só para citar alguns exemplos.

     Sem arrodeios, posso afirmar que, dentre as razões técnicas para que nenhum deles faça parte dessa lista, estão desde deficiências de arranjo, passando pela qualidade duvidosa do repertório, da produção, da execução vocal e, até mesmo, das interpretações, que, ora num ora noutro, são, no mínimo, irregulares. Tanto é assim, que Meyre sumiu; Rosemary só se consolidaria definitivamente como uma grande intérprete nos anos 70; e Martinha, apesar de sua imensa simpatia, possui uma voz deprimente, que a mim, soa tímbricamente exasperante.

Por outro lado, no caso deste Silvinha, embora esse não seja, por certo, um disco perfeito, trata-se, pelo menos, de um esforço bastante colaborativo (o que não era raro, aliás, de acontecer naqueles tempos), em que vários amigos deram uma força para impulsionar o projeto e favorecer a estréia tardia da cantora em LP, já que ela só havia lançado, até então, três compactos simples, todos em 1967.

Para isso, uma equipe de produção de peso foi recrutada: o maestro Peruzzi, um dos grandes condutores da Jovem Guarda, assume a batuta; a produção é de Milton Miranda, assistido por ninguém menos que Tony Campello; e as composições de maior destaque são “Playboy” e “Jure por mim” (versões de Alf Soares, divulgador e produtor da Odeon, que colabora, aliás, com o maior número de músicas (4)); “Só porque não consigo existir sem ter você” (original de Alf Soares); “Professor particular” (de Carlos Imperial e do saudoso humorista Paulo Silvino); “Bem mais (do que eu deveria gostar)” e “Não posso ser feliz”, ambas de Luis Vagner & Tom Gomes; “Minha primeira desilusão” (Sissi); e, é claro, “A mais linda flor” (de Álvaro Muniz), que fecha o disco.

Com tudo isso à disposição, Silvinha fez bom uso de seu talento e simpatia, presenteando os fãs da Jovem Guarda com um disco onde problemas evidentes em lançamentos de outras cantoras do período são minimizados, de modo a garantir uma boa execução radiofônica e o reconhecimento da cantora entre os grandes nomes do movimento.

Vanusa (1968)

 

Em seu primeiro LP, a mais bela loura de toda a música popular brasileira já começa mostrando que veio para ficar, muito embora ainda estivesse um pouquinho longe de alcançar o auge de sua forma, o que só começaria a acontecer, de fato, a partir de sua bombástica apresentação no V Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, em 1969 (em que conquistou o 3º lugar, defendendo a música “Comunicação”, de Edson Alencar e Hélio Gonçalves Mateus); e seria concretizado alguns anos mais tarde, em seus álbuns antológicos de 1973, 1974 e 1975.

Em suma, num apanhado mais completo, pode-se dizer que, até atingir o auge, Vanusa parece indecisa em meio a várias tendências, entre as quais destacam-se a psicodélica/tresloucada, predominante no LP de 1969; e a exagerada e “janisjoplinianamente” estridente, predominante no LP de 1971.

Todavia, antes de vagar por essas tendências, encontramos nesse álbum inaugural uma vinculação clara a um estilo musical específico, no qual uma principiante ainda indecisa, porém cheia de atitude, assina nada menos que cinco faixas, sendo três delas exclusivas e duas em parceria com David Miranda: as muito boas “Perdoa”, “Pode ir embora” e “Eu não quis magoar você”; e as estranhas “Mundo colorido” e “Negro”, que trazem, sem dúvida, os discursos mais datados da obra: pura demagogia contracultural de época para consolar hippies ingênuos, com letras que transmitem a mesma sinceridade de uma nota de 23 reais.

Além disso, ainda merece ressalva a presença de uma certa “síndrome de Ângela Maria”, perceptível em várias performances da cantora anteriores a 1968 e que parece afetá-la também aqui, especialmente em “Pra nunca mais chorar” (Carlos Imperial & Eduardo Araújo) e “Aonde estás” (Carlos Imperial e Fábio), as quais arrastam certos “pecadilhos”:

Primeiro, parece faltar criatividade em relação aos arranjos (instrumentais e vocais) de introdução, que pouco diferirem entre si. Depois, acrescente-se algum excesso de solenidade na interpretação (especialmente pelo modo enfático como a artista pronuncia os “errrrrres”), e logo perceberemos uma cantora em formação, ainda titubeante quanto ao estilo por adotar, mas realmente disciplinada e atenta às variáveis, nessa fase embrionária de seu aprendizado.

Apesar disso (bem como dos desnecessários erros de Português, no título de uma delas!), “Aonde estás” e “Pra nunca mais chorar” são, inegavelmente, boas faixas, que mais confirmam do que desabonam a elevada qualidade que, no geral, o álbum possui. Para confirmá-lo, basta adicionar os ingredientes restantes e apreciar o produto final, que conta com momentos memoráveis, a exemplo da clássica “Mensagem” (Aldo Cabral & Cicero Nunes), um dos maiores sucessos da cantora; “Eu sonhei o meu sonho mais lindo”, em que o competente José Messias evoca a atmosfera dos contos de fadas (subvertendo, porém, o tradicional final feliz), adaptando as melodias das canções infantis “Se essa rua fosse minha” e, já no finalzinho, “Cai cai, balão”; a excelente “Apaixonada”, de Cláudio Fontana, com uma bela combinação de guitarra fuzz e naipe de metais; “Só você”, a outra contribuição de Carlos Imperial e Fábio, que, de tão boa, nos faz esquecer completamente quaisquer deslizes anteriores; e “Cupido me acertou” (Portinho & Falcão), que fecha o álbum na medida certa.

Complementando o que disse no início, aqui ainda vemos a flor em botão. Auspicioso, sim; mas ainda carente por desabrochar, revelando-se em toda a sua plenitude.

Certamente, não demoraria.

Cleide Alves - Twist, hully gully & Cleide Alves (1964)

 

Para deixar claro a importância desse disco, precisamos reconstituir toda uma vasta rede de conexões que  a “estrelinha do rock”, Cleide Alves, estabeleceu com outros grandes nomes da Jovem Guarda — muito antes, aliás, que muitos deles se tornassem famosos.

Tudo começa quando a Revista do Rock, em 1961, promove o concurso para escolher o rei e a rainha do rock nacional, numa disputa acirrada que acaba levando Celly Campello e Sérgio Murillo ao trono e, como príncipe e princesa, Tony Campello e Cleide Alves.

A essa altura, Cleide já havia participado, com apenas 14 anos, de um disco de músicas natalinas, no qual interpretou duas músicas (juntamente com o cantor Gilberto Alves); e também gravado seus primeiros discos solo, ambos de 78 rotações, sendo, no 1º deles (1960), acompanhada pelo lendário Betinho e seu conjunto e tendo, nos backing vocals, ninguém menos que os Golden Boys.

Já em seu 2º compacto (1961), registrou “Chega" (versão de Demétrius para “Makin' Love”, de Floyd Robinson) e "Meu anjo da guarda", de Rossini Pinto e Fernando Costa, que, posteriormente, seriam incluídas neste LP; e, ao trocar de gravadora, em 1962, emprestou sua voz (juntamente com Reynaldo Rayol) a Renato e seus Blue Caps, no LP Twist, o primeiro da banda.

Curioso é notar como, a essa altura, Cleide já havia colaborado com vários medalhões da futura Jovem Guarda, ainda em sua fase de pré-formação (Golden Boys, Renato e seus blue caps, Demétrius, Rossini Pinto), mas ainda haveria de colaborar com vários outros, entre os quais podemos citar Carlos Imperial ("Namorando", em compacto de 1963); e, só nesse disco: Edson Ribeiro (“Estou ficando louca”), Paulo César Barros (“Vai embora, meu amor”, com Rossini Pinto), Ed Wilson (“Broto malvadinho”) e dois ilustres desconhecidos à época, que em Cleide encontraram suas primeiras oportunidades para gravar uma música própria e até um primeiro disco solo: Roberto Carlos e Erasmo Carlos.

Em 1963, Roberto já havia gravado dois álbuns: o por ele mesmo desprezado, Louco por você (1962) e o simpático Splish Splash (1963), mas ainda não havia estreado como compositor, até passar a Cleide Alves "Procurando um broto", que a Estrelinha gravou em compacto em 1963 (e que, infelizmente, não foi incluído no Twist, hully gully & Cleide Alves).

Aliás, em mais uma marca histórica, Cleide é a cantora que mais gravou músicas inéditas de Roberto, cinco das quais encontram-se nesse disco: “Mamãe acha que é normal”, “Beijo quente” e “Brotinho transviado” (composições solo do Rei); “Cara De Pau” (em parceria com Janete Adib, então editora da Revista do Rock); e “Surpresa de domingo” (em parceria com Erasmo Carlos, que a regravaria, sob um ponto de vista masculino, em O Tremendão, de 1965, só que com o título de “O dono da bola”).

Numa conta simples, temos, só aqui, o equivalente à metade do disco! O que, por si só, já seria suficiente para justificarmos não só porque ele é tão importante, mas, sobretudo, tão agradável de se ouvir!

Quanto a Erasmo, que, além das parcerias com Roberto, também colaborou nesse disco com “Sugar Shack” (versão para a música de mesmo título, de F. Voss & K. McCormack, que havia bombado nas paradas norte-americanas do ano anterior, com o grupo Jimmy Gilmer and the Fireballs ), foi Cleide Alves quem o levou até a sua gravadora depois que o Tremendão deixou o posto de vocalista principal do Renato e seus blue caps (no disco de 1963), para, em 1964, a assinar contrato com a RGE e lançar seu primeiro trabalho solo, com as músicas “Jacaré” e “Terror dos namorados”.

         Enfim, à época de gravação desse primeiro álbum, Cleide vivia, simplesmente, o auge de uma carreira meteórica que, após 1970, declinaria vertiginosamente, indo parar no esquecimento público e no isolamento a que ela mesma se entregou nos últimos anos de vida.

Por outro lado, voltando ao disco, estamos diante de um daqueles projetos que não têm jeito de dar errado, bastando apenas conferirmos sua monumental equipe de colaboradores para ratificar essa afirmação: a começar pela voz doce e infantil com que Cleide interpreta todas as canções; seguindo com a presença de compositores jovens e extraordinários, naqueles tempos ainda à procura de um lugar ao sol; trazendo, mais uma vez, os implacáveis Renato e seus blue caps como banda de acompanhamento; e, para fechar, apresentando uma produção competente, porém inesperada, do próprio Roberto Carlos.

         Um magnífico trabalho dessa nossa graciosa e original mistura de Brenda Lee com Rita Pavone!

Wanderley Cardoso – O bom rapaz (1967)

    

         Só a presença de hits como “O bom rapaz” e “Doce de coco” já bastaria para mostrar o quanto esse disco demarca não só o ápice da carreira de Wanderley Cardoso, mas também porque é um dos lançamentos mais representativos da Jovem Guarda.

         Para demonstrá-lo, observemos, com cuidado, uma faixa bastante despretenciosa, mas que permite-nos compreender porque Wanderley Cardoso foi um dos grandes destaques daquele período. Estamos falando da versão (por sinal, a única do disco) composta por Luis Bittencourt para o mega hit internacional “The shadow of your smile”, que, entre nós, ganhou o título de “Adeus às ilusões”.

         Essa versão tem dois aspectos interessantes, que, de início, merecem nossa atenção: primeiro, o fato de ser uma boa versão, que procura manter-se fiel ao tema original. Segundo — e mais importante —, o fato de que não importa em que língua seja tenha sido escrita, essa música, definitivamente, não é para o bico de qualquer cantor. E é aí que entram em cena alguns dos maiores atributos de Wanderley como intérprete (os quais poderíamos também estender ao seu pseudo-rival, Jerry Adriani): afinação, potência e, sobretudo, alcance vocal; atributos que o colocam, em termos comparativos, bem acima da média de seus contemporâneos e podem ser percebidos também em “Que bobo que eu sou” e “O pic-nic”.

         Apesar de, mais uma vez, não trazer uma ficha técnica que nos permita identificar sua equipe de gravação, estamos diante de um album bem produzido, que conta com arranjos de cordas e metais (às vezes usados conjuntamente), além de um repertório bem selecionado, o que garante seu lugar entre os melhores da Jovem Guarda e potencializa as habilidades do jovem ídolo popular.

         Mais que isso, a voz privilegiada de Wanderley e o extraordinário talento demonstrado nesse LP, nos fazem questionar, novamente, porque um cantor com tais qualidades não teve melhor sorte em sua carreira, que foi, infelizmente, bastante irregular, apesar de duradoura.

         Todavia, de volta aos pontos positivos, trata-se de mais um lançamento que facilita a tarefa de enaltecer as qualidades de seu autor e, por certo, rebater aqueles comentários indesejavéis de quem rotula o trabalho de Wanderley Cardoso e de outros ídolos da Jovem Guarda como “brega” ou “cafona”.

Renato e seus Blue Caps - Isto é Renato e seus Blue Caps (1965)

 

Renato e seus blue caps foi a primeira grande banda da história do rock nacional, muito embora seja insistentemente negligenciada, de forma aviltante, pela maioria da crítica “especializada”, cuja formação, acadêmica e elitista, não permite vislumbrar o verdadeiro “popular”, naquilo que se entende por MPB.

Do ponto de vista da Jovem Guarda, porém, estamos falando, simplesmente, da melhor banda do movimento, no máximo perseguida – porém, nunca igualada! – por, apenas, outras três: Os Incríveis, o The Fevers e o The Youngsters. O resto é história. Ponto final. 

Por outro lado, considerando os artistas como um todo, podemos afirmar que a banda se encontra entre os “os intocáveis da Jovem Guarda”; ou seja: aquele grupo de artistas que representam, à perfeição, o que foi o movimento, colaborando imensamente para sua consolidação, tendo grande participação em obras de outros artistas e/ou protagonizando seus melhores momentos: Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderlea e os Golden Boys.

Antes do lançamento de Isto é Renato e seus Blue Caps, Renato Barros e sua trupe já haviam realizado quatro outros trabalhos, sendo o primeiro irrelevante (Twist, 1962) e os três últimos, a meu ver, fundamentais para alinhar as engrenagens e moldar o estilo que definiria a banda: Renato e seus Blue Caps, de 1963, em que conta com um “certo” Erasmo Carlos nos vocais principais; Wanderlea com Renato e seus Blue Caps, de 1964; e Viva a juventude, de 1965, que traz os primeiros registros de “Gatinha manhosa” (Roberto Carlos e Erasmo Carlos) e “Negro gato” (versão de Getúlio Côrtes para “Three Cool Cats”, do The Coasters), canções que só se tornariam clássicas, porém, ao serem regravadas por Erasmo Carlos, em seu segundo disco (Você me acende, 1966); e por Roberto Carlos, em seu disco de 1966.

De qualquer modo, apesar de ainda muito preso ao estilo rockabilly, é aqui que encontramos a magnífica “Menina linda” (versão de Renato para “I’ve should know better” dos Beatles, que fez estrondoso sucesso), um prenúncio do ápice que Isto é Renato e seus Blue Caps acabaria se tornando, por ser o álbum que colocaria de vez a banda no mapa, iniciando uma trajetória de sucesso, que se completaria com os outros três álbuns aqui listados: Um embalo com Renato e seus Blue Caps (1966), Renato e seus Blue Caps (1967) e Especial (1968).

Juntos, esses discos formam o quarteto fantástico da banda, em sua melhor formação: Renato Barros (voz e guitarra), Paulo César Barros (voz e baixo), Cid Chaves (voz e saxofone), Carlinhos (Carlos Alberto Da Costa Vieira, guitarra) e Toni Pinheiro (bateria).

Todavia, em se tratando especificamente do Isto é Renato e seus Blue Caps, sua excelência já começa por abrigar algumas versões que se tornariam clássicas, como “Feche os olhos” e “O escândalo”, ambas de Renato; e “Meu primeiro amor”, de Lilian Knapp. Além dessas, também destacaria “Sou tão feliz” (também de Renato), que, além de ratificar a óbvia influência dos garotos de Liverpool sobre a banda, ainda cria a possibilidade de semear uma polêmica; afinal, trata-se de uma versão em português de “Love me do”, dos Beatles, só que com uma letra, na minha opinião, melhor que a original. Além disso, com a retirada proposital da gaita do arranjo, creio que - com perdão da blasfêmia – a música tornou-se bem mais atraente, de modo a merecer uma atenção especial.

A propósito, fazendo um breve exercício de “se”ologia (a ciência obscura que estuda os mistérios do “se”), tivesse a banda gravado essa música como cover (ou seja, mantendo a letra original em inglês), e não como versão, poderia ter tido uma projeção ainda maior e, quem sabe, inspirado muitas outras bandas a regravá-la, mantendo, assim, as boas adaptações trazidas pelo arranjo proposto por Renato.

De qualquer modo, eis uma boa referência (para não dizer, “uma boa lição”) para aqueles que torcem o nariz para versões e duvidam que elas possam melhorar as originais, mesmo quando provenientes de uma instituição sagrada para os roqueiros de todo o universo, como são os Beatles.   

No mais, o álbum em questão se destaca pela sua homogeneidade, no sentido de que não possui altos e baixos capazes de torná-lo confuso e/ou irregular, a exemplo do que ocorre a muitos de seus contemporâneos (que, por isso mesmo, não se encontram nessa lista...).

A razão para tanta qualidade? Mais uma vez, muito simples: todas as canções são muito boas, a exemplo de “Espero sentado” (mais uma versão de Lilian), “Preciso ser feliz” (original de Paulinho, Renato e Lilian, cujos solos inicial e final de gaita, por muito pouco, não copiam a introdução de “I’ve should have know better”, dos Beatles), “Aprenda a me conquistar” (mais uma original de Carlinhos, Renato e Lilian), “Você não soube me amar” (versão de Roberval e Arthur Emílio), “O fugitivo” (Luiz Ayrão e Ercio Roberto), “Esqueça e perdoe” (Getúlio Côrtes) e “Orgulho de menina” (mais uma versão de Renato).

Sim, a máquina do tempo existe! E aqui está uma oportunidade de transportar-se por pelo menos meia hora para a época de ouro da Jovem Guarda, apreciando a excelência de um de seus maiores representantes.

Renato e seus blue caps - Um embalo com Renato e seus blue caps (1966)

 

Um primeiro aspecto que chama a atenção nesse disco - e explica, em parte, o seu grande sucesso - é o trabalho conjunto entre Renato Barros; seu irmão, Paulo César; e, mais uma vez, Lilian Knapp, que assina, sozinha, uma das melhores versões já feitas no Brasil, em todos os tempos: “Não te esquecerei”, para o clássico sessentista “California Dreamin'”, do The Mamas and the Papas.

Trata-se de um disco que mantém o legado do anterior, ratificando a posição da banda no cenário do movimento e, mais uma vez, evidenciando suas habilidades técnicas e artísticas. Para certificá-lo, basta ver a qualidade das composições: da parte de Renato, as clássicas versões “Meu bem não me quer” (“My baby don't care”) e “Dona do meu coração” (para “Run for your life”, dos Beatles); a que se juntam as originais “Primeira lágrima” e a fantástica “Sim, sou feliz” (em parceria com Paulo César), que traz uma rascante guitarra fuzz, em absoluta conjunção com a sonoridade da época.

Do lado de Paulo César, destacam-se a versão “Gosto de você” (Tell me what you see); a boa “Não quero ver você chorar” e a ótima “Perdi a esperança” (em parceria com Marcus Fabiani), que fecha, com chave de ouro, o lado A.

Na minha opinião, a única nota dissonante é a versão de Renato para a canção infantil “Atirei o pau no gato”, que, infelizmente (ou felizmente), fecha o disco. Nada, porém, que venha a comprometê-lo e tudo, é claro, dentro do espírito juvenil da época.

Renato e seus blue caps (1967)

 

         Nesse álbum, chama a atenção a produção primorosa, com direito, até mesmo, a belos arranjos orquestrais, tal como vemos em “No dia em que Jesus voltar”, de Paulo César Barros; e, especialmente, na belíssima “A saudade que ficou” (de Renato Barros e seu irmão Ed Wilson (Edinho Barros)).

         Quanto aos clássicos, aqui vão três: “Não me diga adeus” (Carlinhos e Paulo César Barros), “A irmã do meu melhor amigo” (Leno) e, sobretudo, “Ana”, célebre versão de Lisna Dantas para “Anna (Go to him)”, dos Beatles.

         Além dessas, também merecem destaque “Este amor me faz sofrer” e “Vou subir bem mais alto que você”, versões de Luiz Keller (também autor da famosa versão de “Pare o casamento”, de Wanderlea); “Um é pouco, dois é bom, três é demais”; e a doce e melancólica “Menina feia”, ambas de autoria de Renato Barros.

Renato e seus blue caps - Especial (1968)

 

A Jovem Guarda estava acabando e novos rumos eram traçados no cenário musical brasileiro. A expectativa era enorme com a avalanche de novidades típicas de uma virada de década (sobretudo aquelas décadas tão musicalmente exuberantes, que foram os anos sessenta e setenta!) e, mesmo assim, Renato e seus blue caps ainda foram capazes de honrar o legado do movimento com essa bela despedida.  

Em verdade, até 1971, todos os lançamentos da banda seriam dignos de nota. Porém, como aqui nos interessa apenas os melhores da Jovem Guarda, em Especial sou forçado, infelizmente, a suspender o enfoque sobre esse grupo memorável.

De qualquer modo, poucas palavras são suficientes para descrever o álbum: eficiente, equilibrado, inesperado. Talvez, mais uma vítima injustificada do desinteresse/incompetência das gravadoras em fazer uma divulgação à altura de sua qualidade - o que, no caso desse álbum, provavelmente deve ter acontecido. Afinal, como explicar a percepção tão estreita que o público teve, e ainda tem a seu respeito?

Outra possível explicação pode ser a de que certos lançamentos do período, por terem sido tão marcantes, acabaram jogando Especial (entre outros) para escanteio; ou de que o disco, apesar da qualidade de seu repertório, associada à eficiência dos arranjos e, como sempre, ao esmerado desempenho técnico do conjunto, não se destacou pela presença massiva de hits, tal como ocorrera com os discos anteriores.

Todavia, o que, de fato, me surpreende, é como tantas músicas boas (e de colaboradores tão ilustres!) não tomaram logo de assalto todas as rádios do país: “Para me abandonar” (de Puruca, um dOs Jovens); “Ela é um mistério para mim”, versão de Gileno para “She is still a mistery”, do Lovin` Spoonful; “Porque eu te amo” (linda canção original de Gileno, em colaboração com Paulo César Barros); as ótimas contribuições de Renato Barros com a tocante “Sem Suzana” e as versões “Escreva Logo” (para a clássica “Please Mr. Postman”) e “Não Demore Mais” (para “It's good to see you”); “Não vou me humilhar por você” (outra pérola de Gileno); “Te adoro”, versão do grande Sérgio Becker, dos Youngsters, para “No fuimos”, da banda uruguaia Los Shakers, gravada em 1965; “Já não precisas mais chorar” (de D'Avila Filho, membro do The Sunshines); e, acima de todas, a indescritível “A esperança é a última que morre”, uma das minhas favoritas e, talvez, a maior contribuição de Ed Wilson para o repertório da banda. Simplesmente, irretocável!

Por tudo isso, não há nada que justifique o papel secundário que esse álbum viria a ocupar na discografia da banda, muito embora veja, com alegria, que esse papel tem sido revisto com o passar dos anos.

Como conclusão, fica a certeza de que, mais que uma despedida à altura, Especial é um álbum que ratifica a posição de destaque da banda no cenário musical da época, independentemente de sua conexão com a Jovem Guarda.

Reginaldo Rossi – O quente (1968)

 

Ao contrário do que muitos pensam, esse já é o terceiro disco de Reginaldo Rossi, lançado originalmente em 1968 e gravado com o apoio dos superestimados Jet Black’s – cuja performance, em que pese o amadorismo da banda (evidente, por exemplo, no horrendo instrumental do meio de  “Você não pode parar”; e em diversos momentos de sua carreira, como provável consequência das inúmeras mudanças de formação que a banda sofreu), ainda consegue ser bem superior à doThe Lovers, que acompanharam Reginaldo em seu disco anterior, Festa dos pães, de 1967.

Trata-se, antes de mais nada, de um dos discos mais autorais de toda a Jovem Guarda, visto que todas as músicas, à exceção da boa “Não se brinca com o amor” (Waldemar Pimentel), foram compostas, exclusivamente, por Reginaldo Rossi.

Mas, eis que surge a grande questão: as músicas são boas ou a experiência autoral foi apenas um acesso de narcicismo juvenil, de que teria resultado um grande fracasso?

Resposta: depende do ponto de vista.

Pessoalmente, colocar O Quente entre os melhores da Jovem Guarda não é mera questão de favor, mas uma forma de reconhecer os méritos de um projeto que, apesar de possuir alguns pontos baixos, como “A namorada”, “Ontem e hoje” (na verdade, um frevo-canção) e “Todos nós somos covardes” (curiosamente, gravados em sequência, no lado B), traz outros bem inspirados, que, inclusive, em muito antecipam a verve lamentosa (“Garota de pano”, “O trem que parte para o além”), romântica (“Por um só dos seus carinhos”) e, por vezes, burlesca (“Complexo de cachorro”), que definiriam o estilo do futuro “rei do brega” não só temática, mas também  musicalmente falando.  

Por isso, de “Para de chorar”, passando pela dulcíssima “Poeminha” e a estimuladora “Você não pode parar”, vale a pena conferir esse trabalho, marcado por muito mais acertos do que erros. Afinal, estamos diante de um disco que põe em evidência no cenário da Jovem Guarda mais um de seus vários representantes nordestinos, a exemplo de Cleide Alves, José Roberto, Kátia Cilene (que não chegou a gravar discos), Cyro Aguiar, Leno, Raul Seixas (sim, ele mesmo), entre tantos outros.

Sérgio Reis – Coração de papel (1967)

 

Nesse trabalho marcante do período, chama a atenção, a princípio, o naipe de metais e o emprego do órgão (que percorrem, praticamente, todas as faixas do disco); e, obviamente, o caráter autoral, visto que a maioria das músicas é do próprio Sérgio Reis, com destaque, além da clássica “Coração de papel”, para: “Eu resolvi não lhe deixar”, “Falta você” e “É mentira o que você ouviu”.

Para completar, as ótimas colaborações de colegas como Eduardo Araújo (“Solidão”) e Marcos Roberto e Dori Edson (“Ninguém vai nos separar”), ajudam, sobremaneira, a reforçar o repertório.

Por trás do vidro, como produtor, ninguém menos que outra lenda, Tony Campello, que emprestou toda a sua experiência de pioneiro do rock no Brasil para levar Sérgio, antes mesmo do lançamento do LP, ao top 10 das paradas brasileira com o single da canção título.  

Além disso, o fato de sua voz potente e afinada imprimir certo tom “solene” a algumas interpretações, faz com que seja praticamente impossível não divagarmos sobre o quanto o estilo sertanejo de Sérgio, que o consagraria anos mais tarde, já não aparece diversas vezes insinuado por aqui, tal como se percebe em “Viva a esperança”, “Fonte de lágrimas” e “Vem amor”, as quais, com poucos ajustes, poderiam ser facilmente lançadas em seus discos posteriores a 1975. 

Por fim, vale destacar uma curiosidade e fazer uma advertência aos compradores menos atentos: em edições posteriores do disco, a capa original, bem mais sóbria e clássica, contendo fundo azul celeste e o título à esquerda, foi trocada pela horrenda imagem de um oceano refletindo um céu vermelho-alaranjado, com título à direita. Eis uma boa pista para quem anda à procura da edição original e não quer ser ludibriado, até porque isso acontece com outros discos da época, a exemplo de o “Bom rapaz”, de Wanderley Cardoso, que teve o fundo azul trocado para vermelho, em algumas reedições.

No mais, surpreenda-se ao ver o intérprete de “Panela velha”, “Filho adotivo” e “Pinga ni mim”, iniciando a carreira nas ondas do rock`n`roll, das quais, aliás, se despediria bem cedo, mal começados os anos 70.

Marcos Roberto (1966)

 

Acompanhado pelos sempre competentes Fevers, a banda que, de tanto acumular experiência de estúdio durante a Jovem Guarda, acabou prorrogando-a por pelo menos mais oito anos, década de 70 adentro, Marcos Roberto oferece-nos, aqui, um extraordinário álbum de estreia.

Primeiro, por não esperarmos um desempenho tão alto para um quase principiante, e nos surpreendermos não só com a banda de acompanhamento, mas também com a descontração que o cantor imprime à maioria das canções e a seu extraordinário equilíbrio vocal. Noutras palavras, se esse jovem estava nervoso, apreensivo ou inseguro durante as sessões, soube muito bem disfarçar e transmitir-nos uma rara sensação de confiança e desinibição, tal como vemos não só nas criativas ilustrações da contracapa, mas também em faixas como “Bronca”, “Onda de canguru” (de um tal de Tomy Standen, que mais tarde adotaria o pseudônimo de Terry Winter e conquistaria o Brasil e o mundo com hits como “Summer Holyday” e “Our love dream”) e “Canção do amor perdido”, que ainda conta com um sax “rasgadão” a la surf music e mais um notável desempenho vocal. 

Segundo, o fato de que Marcos Roberto possui um aguçado senso de interpretação, o que nos poupa o enfado de ouvir um disco inteiro tendo a sensação de que todas as músicas parecem uma só, independentemente das mudanças de ritmo, arranjo ou temática. Bem ao contrário, basta ouvir faixas como “Agora é tarde”, “Vá embora daqui” (do amigo Sérgio Reis) e “Entre sem bater”, para ter certeza de que o cantor realmente “interpreta” as situações descritas nas letras, mais que, simplesmente, as reproduz.

Outra raridade para um disco de Jovem Guarda (sobretudo, de estreia!) é que, simplesmente, não há versões aqui! Fato que se torna ainda mais surpreendente quando notamos que, das 12 faixas originais presentes, 7 são de autoria do próprio Marcos Roberto em parceria com Dori Edson, com quem escreveria mais de 100 canções, entre as quais alguns clássicos irretocáveis, tais como o “O tremendão” (faixa que, simplesmente, “rebatizou” Erasmo Carlos) e “Perto dos olhos, longe do coração” (ponto alto do único disco que Edson gravou na carreira, em 1968).

Um disco típico de quem queria, realmente, mostrar serviço e marcar posição entre os melhores do movimento — e conseguiu!

Trio esperança – A festa do Bolinha (1966) / A festa do Trio Esperança (1967)

 

Provando que quem é bom já vem do berço e que talento é parte do DNA, o Trio Esperança se formou dentro de casa, ainda na infância, observando os ensaios dos irmãos mais velhos, que, junto com um amigo de escola, formavam um tal de... Golden Boys.

Sim, isso mesmo: Mário, Regina e Eva (a “Evinha) Corrêa, eram irmãos dos Golden Boys Roberto, Ronaldo e Renato e, tal como os irmãos, começaram a se apresentar ainda no final dos anos 50, como um grupo vocal de doo-woop, sem imaginar que, com a chegada da Jovem Guarda, seriam rapidamente alçados ao status de ídolos nacionais.

De certa maneira, pode-se dizer que esse reconhecimento veio já no período pré-Jovem Guarda, graças ao estrondoso sucesso da versão do trio para Sad Movie (lançada por Sue Thompson em 1962), que, por aqui, virou “Filme Triste" (versão de Romeu Nunes).

A música saiu primeiro em compacto e foi incluída em seu primeiro disco, Nós somos o sucesso (1963), que é, basicamente, um disco de Bossa Nova e MPB, muito aquém do que veríamos a partir de 1966, quando lançariam um dos dois grandes LPs aqui resenhados: A festa do Bolinha.

A música título, presente de Roberto e Erasmo Carlos para a meninada, teve um efeito devastador sobre o público, que a cantava à exaustão, impulsionado pelas rádios, que não paravam de tocá-la.

Mas, além dessa simpatissíssima e ingênua canção, o disco também trazia “Gasparzinho”, outro grande sucesso, composta pelo mano Renato Corrêa e foi, inegavelmente, cirúrgico na escolha de suas versões, todas elas muito boas: “A Tartaruga” (La Tartaruga), “Eu bem dizia” (I could have told you), “Nosso amor” (I´ll follow the sun, lançada pelos Beatles uns dois anos antes), “Não me abandone” (Downtown, que estava estourada à época, na voz de Petula Clark) e “Aurora” (Con La Aurora) – essa última, um verdadeiro tesouro na voz de Evinha!

Quanto às demais canções originais, a contagiante e bem-humorada “Bossa em casa” (de Zilmar de Araújo e Ian Guest, músico talentoso também alinhado à Bossa Nova, que, às vezes, compunha para a turma da Jovem Guarda sob o pseudônimo de Atyla), “O retrato” (Rossini Pinto) e “Por Teu Amor” (Jorge Smera) merecem destaque.

Porém, não bastasse tudo isso (ou, talvez, justificando tudo isso), o disco ainda contava com uma equipe técnica de luxo, formada, entre outros, pelos maestros Peruzzi e Severino Araújo (responsável, aliás, pelo magistral arranjo da música título); além da sempre competente produção de Milton Miranda (que, posteriormente, acompanharia Evinha em sua carreira solo), da assistência de produção de Rossini Pinto e do desempenho esmerado dos Fevers. Tinha como esse projeto dar errado?

Em que pese minha profunda admiração por grupos infantis que, nos anos 80, foram capazes de nutrir as mentes das crianças brasileiras com músicas sensíveis, inteligentes e educativas, em lugar das tranqueiras que vemos hoje em dia, não há motivo para não reconhecermos que, muito antes da Turma do Balão Mágico ou do Trem da Alegria, o primeiro grupo de música infantil do Brasil foi, de fato, o Trio Esperança. Isso não só por conta da faixa etária de seus integrantes, mas também pela temática de algumas músicas, que, inegavelmente, mesmo atraindo grande parcela do público adulto, eram muito mais sintonizadas com uma visão de mundo tipicamente infantil e pré-adolescente, mais ou menos no mesmo sentido que a bubblegum music começava a fazer nos Estados Unidos e Europa naquele mesmo período.

De qualquer modo, caso ainda reste alguma dúvida, para dirimi-la basta ouvir faixas como “O sapo”, “Bolinha de sabão” e “O passo do elefantinho”, todas de seu primeiro disco (Nós somos o sucesso, 1963); “Gasparzinho” e “A tartaruga”, além da faixa título, em A festa do Bolinha; e, por fim, em seu próximo lançamento, A festa do Trio Esperança (1967), que ratifica, com sobras, o talento dos jovens astros, as deliciosas “A feiticeirinha” (“Georgy girl”) e “Udi udi pica-pau”.

É claro que, além das citadas, também compõem o repertório desse disco canções mais dolentes e sentimentais, como “Tristeza sem fim”, “Não voltarei a chorar”, “Imagina o que me aconteceu”, “Este grande amor”, “Chuva fina”; e as excelentes versões do maior “versionista” da Jovem Guarda, Rossini Pinto: “A feiticeira” (Georgy girl), “Pense” (Wake up), “Você fugiu de mim” (I love you too), “Se você voltar” (Walk right back) e “Nasci tarde” (Born too late).

Em suma, dois lançamentos imperdíveis para qualquer fã da Jovem Guarda!

Corra para a vitrola!

Bobby de Carlo (1967)

 

Com sua voz adocicada e quase infantil, Bobby de Carlo poderia ter sido, facilmente, um cantor de Bossa Nova. Porém, desde seus primeiros compactos, optou pelo rock e, quando já pensava em desistir (primeiro, por conta dos estudos, já que contava apenas 14 anos quando começou, no início dos anos 60; segundo, por conta das dificuldades naturais de emplacar uma carreira), viu na emergente Jovem Guarda uma oportunidade de recomeço.

Assim sendo, arranjou um contrato com a gravadora pernambucana Rozenblit (também responsável pelo lançamento de gente graúda como Johnny Alf, Tom Zé e Zé Ramalho; e, dentro da própria Jovem Guarda, do The Snakes (primeira banda de Erasmo Carlos) e de Martinha) e gravou um compacto despretensioso contendo em um dos lados a música “Tijolinho” (de autoria de Wagner "Bitão" Benatti, futuro guitarrista dos Pholhas), pelo obscuro selo Mocambo.

O acompanhamento, por sua vez, ficou a cargo dos competentes Megatons, grupo afluente dos Jet Black`s (através de seu fundador, Joe Primo), que também acompanhou Marcos Roberto e Antônio Marcos, entre outros, mas, infelizmente, só gravou um ótimo disco instrumental, em 1965, desfazendo-se em 1968, praticamente às vésperas de gravar seu primeiro disco com vocais (assumidos por Bitão) e perdendo-se, assim, no esquecimento.

De qualquer modo, a música “Tijolinho”, de uma inocência aterradora (porém, arrebatadora), foi o que bastou. E mesmo que alguns ainda se queixem (com certa razão) de que a gravação seja tecnicamente amadora e desprovida de potência frequencial (sobretudo, nos graves), a música grudou nos ouvidos da garotada instantaneamente e virou sucesso nacional, permanecendo no topo das paradas por várias semanas e garantindo a aparição do prodígio em vários programas, inclusive o Jovem Guarda, capitaneado pelo Rei Roberto. 

Porém, o que torna esse disco um marco do movimento, não é apenas o fato de incoporar “Tijolinho” em sua track list, mas também de reunir um repertório extremamente cativante, que, sabiamente ajustado à voz singela de Bobby, garante bons momentos a qualquer apreciador da Jovem Guarda.

Nesse sentido, trata-se, sem sombra de dúvida, de um dos discos mais regulares da época, a ponto de lamentarmos profundamente o fato de que, mesmo tendo adicionado arranjos mais sofisticados ao seu próximo (e último) disco, lançado em 1968, o cantor não tenha conseguido repetir o mesmo sucesso, abandonando os palcos precocemente e fazendo apresentações bastante esporádicas em programas de auditório e pequeno shows nos anos seguintes.  

Jerry Adriani – Vivendo sem você (1967)

 

Dono de um vozeirão “educado”, próprio de quem estudou canto lírico e já admitiu em entrevistas que poderia ter seguido uma carreira operística, de 1966 a 1968, Jerry Adriani nos brindou com a chamada “quadrilogia do você”: Devo tudo a você (1966), Vivendo sem você (1967), Dedicado a você (1967 – talvez, como resultado da pressa em lançar dois discos num mesmo ano, o mais fraco de todos) e Esperando você (1968).

         Porém, o auge desses lançamentos coincide com o auge da própria Jovem Guarda: o Vivendo sem você, de 1967.

         Desde o disco anterior, Devo tudo a você, esse jovem cantor de voz poderosa e marcante já havia adaptado plenamente seu estilo ao novo movimento liderado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderlea, que se achava, àquela época, em plena ascensão. No entanto, foi com esse primeiro album de 1967 que alcançou, finalmente, o auge, tornando-se um ídolo disputado pelos programas e, é claro, pelas mocinhas da época.

         Tendo desenvolvido, numa esperta jogada de marketing, uma falsa rivalidade com outro ídolo do momento, o “bom rapaz”, Wanderley Cardoso, não foi difícil para Jerry emplacar esse disco, uma vez que já era quase um veterano dos estúdios quando o gravou, tendo apostado, no início da carreira, por estabelecer uma conexão Brasil-Itália, ao gravar seus dois primeiros discos (o ótimo Italianissimo e o bom Credi a me, ambos de 1964) totalmente em italiano.

Nesse disco, não foi diferente, muito embora tenha sido o último dos anos 60 em que o artista fez um registro musical no idioma da Bota, oferecendo-nos, assim, a vibrante “Domani”.

Como pontos baixos do disco, destacaria, apenas, dois: a desastrosa versão “Ama-me por favor” (Love me please, love me), que mantém trechos do original em inglês terrivelmente pronunciados por Jerry e uma letra em português que parece feita por uma criança de cinco anos; e “Por teu amor” (For loving you – inacreditavelmente feita por Rossini Pinto), um recital comprido e choroso, que, sabiamente, foi escalada para abrir o lado B, permitindo-nos, assim, pular logo para a faixa seguinte.  

         Por outro lado, salvando a pátria das versões, as duas mais clássicas do repertório sessentista do cantor encontram-se aqui: “Quem não quer” (“Black is black” – que conquistara o mundo no ano anterior com o Los Bravos, grupo espanhol que cantava em inglês) e “És meu amor” (“I'ts for you”), seguidas das boas “Vivendo sem você (“What does It takes”) e “Chorei a noite inteira” (“The night is over”), todas da lavra do inacreditável Rossini Pinto, o maior versionista da história da MPB — nunca é demais frisar.

         Além disso, as originais “Nosso romance” (do próprio Jerry), “Consegui esquecer” (de Carlinhos, guitarrista do Renato e seus blue caps), “Um novo amor” (desta vez, uma original de Rossini Pinto) e “Calcei sapatos novos” (praticamente, uma visão masculina da contagiante e inteligente Boots, hino feminista com que Nancy Sinatra ganhou as paradas mundiais no ano anterior) são, simplesmente, deliciosas!

Um disco fundamental, de um grande intérprete!

Waldirene (1967)

 

Waldirene era linda, carismática e cantava muito, mas muito bem! Porém, cometeu um erro gravíssimo de gerenciamento de carreira e, em vez de gravar LPs, acomodou-se ao lançamento instantâneo de singles (através dos chamados “compactos”), o que a limitavam de duas a quatro músicas por vez e contribuiam, de certa forma, para deixá-la à margem do mainstream do movimento, tanto em termos de cobertura quanto de faturamento.

Por isso mesmo, esse disco é tão importante e, sem dúvida alguma, um dos mais injustiçados pela crítica “especializada”, uma vez que raramente é citado nas listas dos melhores.

No entanto, sua importância já começa pelo fato de que, nele, parte de sua obra dispersa em compactos, lançados entre 1967 e 1968, foi reunida, juntando-se a outras inéditas, que lhe foram presenteadas por “famosos autores de música jovem”, que, como é dito na contracapa, também acreditavam em seu trabalho e foram citados (tanto por nomes quanto por fotos) exatamente como parte de uma sábia estratégia de marketing visando a garantir maior respaldo à jovem cantora. 

Assim, das 12 faixas que compõem o álbum, 4 foram lançadas em compacto (2 delas, aliás, antes do próprio LP): “Garota do Roberto” (Carlos Imperial & Eduardo Araújo), “Eu quero ser sua namorada” (de Erasmo Carlos), “Suas mãos” (de Alemão & Newton S. Campos) e “Meu travesseiro” (de Osmar Navarro).

Como destaques, além dessas, temos as ótimas “Sempre” e “Não era amor” (ambas com participação de David Miranda, que, posteriormente, também abrilhantaria com excelentes composições o 1º disco de Vanusa, lançado no mesmo ano); “Voa Passarinho” (mais uma de Alemão & Newton S. Campos); “Amor certinho” (Eduardo Araújo & Chil Deberto); “Nem sei o que faço” (dos sempre implacáveis Roberto Correa & Sylvio Son); e "Este é seu lugar" (de Reynaldo Rayol, que, a exemplo de Mário Marcos, outro colaborador do disco, sempre foi meio que ofuscado pelo irmão mais famoso).

Por isso tudo, mais que um disco formulaico, estamos diante de um verdadeiro e eficiente greatest hits; um lançamento que, de pronto, já se revela à prova de falhas, uma vez que nos cativa desde a primeira audição.

Difícil mesmo é entender porque a crítica, bem como sites e blogs “especializados” desmerecem uma obra como essa — superior, em muitos sentidos, a algumas das que são normalmente citadas como grandes marcos da produção feminina da Jovem Guarda —, relegando-a ao esquecimento.

Porém, insensibilidade da crítica à parte, esse disco é infalível ao confirmar nossa admiração por uma das melhores intérpretes do movimento, embora também nos traga uma desagradável sensação de lamento, pelo fato de ter sido lançado tardiamente, já em 1968, que, como bem sabemos, é o último ano da Jovem Guarda. A isso, acrescente-se, ainda, o fato de uma jovem tão talentosa não ter tido o reconhecimento merecido, nem mesmo em anos posteriores, já que se viu praticamente esquecida, com aparições bastante esporádicas e lançamentos de singles pouco expressivos, muito aquém de seu raro talento.

José Roberto – Os sucessos na voz de José Roberto – Vol. II (1968)

 

José Roberto tem a voz insossa, a interpretação acanhada e o carisma de um limão — pelo menos até nos acostumarmos com seus maneirismos rústicos, após duas ou três audições bem atentas.

Mesmo assim, costumo encará-lo, ao lado de George Freedman (desafinado à quinta potência) e Demétrius (dono do vibrato mais apavorante da sua geração), como uma das grandes provas de que afinação e/ou potência vocal nunca foram grandes requisitos para fazer sucesso na Jovem Guarda, especialmente quando se estava respaldado por uma boa aparência, um bom repertório e um cast eficiente nas ações de estúdio.

Além disso, também serve como parâmetro para podermos entender porque astros como Wanderley Cardoso e Jerry Adriani, em que pesem quaisquer defeitos, eram intérpretes competentes e donos de vozes indiscutivelmente seguras dentro daquele contexto em que jovens inexperientes se atiravam corajosamente aos desafios de uma carreira artística, muitos deles desistindo precocemente ou sequer alcançando o estrelato, face a acirradíssima concorrência ou pela tomada de consciência – bem rara, é verdade – de que não haviam nascido para aquilo.

Porém, esse jovem ganhou seu lugar entre os ídolos da jovem Guarda ao arquitetar uma verdadeira jogada de mestre: acrescentar aos três LPs que lançou durante aquele período o epíteto de “Os sucessos...”.

Com isso, criou a impressão, que até hoje permanece, de que trazia apenas regravações, muito embora metade do repertório seja composto por músicas inéditas, algumas das quais lhe foram cedidas por nomes importantes do movimento.

Desse modo, entre as músicas pinçadas por José Roberto de discos anteriores, temos: “Resolvi não te deixar”, de Sérgio Reis; “Tenho um amor melhor que o seu”, de Roberto Carlos; “Pra nunca mais chorar”, de Carlos Imperial e Eduardo Araújo, lançada em compacto por Vanusa em 1967; e até relíquias de nomes esquecidos, tais como: “Benzinho” (versão de Maurileno Rodrigues para “Dear someone”, gravada pelo cantor Monny em 1968) e “Por você esqueço até de mim” (de Roberto Carlos, que Roberto Lopes gravou em 1967 e até hoje permanece inédita na voz do Rei).

De todas essas, porém, o maior achado é, sem dúvida “Olhando estrelas”, versão de Paulo Rogério para “Look for a star”, de Michael Antony, que foi gravada pela primeira vez em 1961, por nada menos que sete artistas diferentes! Foram eles: Carlos José, Maria Parísio, Trio Monte Carlo, Paulo Molin, Leny Eversong, Tony Campello e até Roberto Carlos, em seu rejeitado, porém histórico, 1º disco: Louco por você

Quanto às inéditas, aparecem: “Brigas de amor” (Robert Livi), “Por querer demais” (Deny), “Se eu sou gamado” (Ed Wilson), “Não vou perdoar” (Sérgio Reis), “Que estória é essa?” (interrogação acrescentada por mim, visto que não consta nem na capa nem no selo originais!) e “Você tem que esperar” (estas últimas de Luiz Keller, mas em colaboração com parceiros diferentes: Daniel Santos e Puruca, respectivamente).

Apesar dos louros colhidos com essa ótima estratégia, José Roberto viu-se em maus lençóis, justamente após gravar esse Volume II: a Jovem Guarda, infelizmente, acabou, deixando-lhe apenas a alternativa de embrenhar-se pela chamada “música cafona” até meados dos anos 70, sempre lançando outros volumes de “sucessos”, dois dos quais, aliás (volumes V e VI), produzidos por um tal de Raulzito Seixas...

         Nesse Volume II, entretanto, é possível identificar alguns destaques que o tornam não só melhor que o primeiro, como também revelam porque a mudança dos arranjos tornou algumas das versões aqui presentes melhores que as originais, por conferindo-lhes uma roupagem, de certo modo, mais “despojada”.

Entre esses destaques, temos o bom emprego do órgão, do sax e, pontualmente, do baixo, como fica evidente em “Resolvi não te deixar”, de Sérgio Reis (que, apesar de carecer do vozeirão de Sérgio, tem uma pegada mais solta e menos solene que a dele); e “Pra nunca mais chorar”, de Carlos Imperial e Eduardo Araújo.

Nesse sentido, méritos também para o produtor — que, por sinal, nem é creditado no disco! —, que soube compensar em estúdio as limitações mais óbvias do cantor; e do sempre competente desempenho do The Youngsters, banda de estúdio que está por trás de inúmeros clássicos, com destaque evidente para o excepcional É proibido fumar (1964), de Roberto Carlos.

         Para fechar, uma pequena advertência: apesar da aposta no que já fora aprovado pelo gosto popular, não há motivos para achar que José Roberto supera, de longe, todas as canções originais que gravou, como exageram alguns. Bons exemplos disso são, no Volume I, “Vem quente que eu estou fervendo”, sucesso de Erasmo Carlos; e, nesse volume, “Tenho um amor melhor que o seu”, de Roberto Carlos, cujas versões originais, apesar do esforço, são infinitamente superiores.

         Por isso, vale a pena ouvir esse volume não só como uma agradável experiência, encabeçada por um jovem tímido, porém esforçado; mas também para comparar suas regravações com as originais e avaliar, uma a uma, em quais se saiu melhor.

Noutras palavras, esse disco nos proporciona um vasto aprendizado sobre limites, esforço e tolerância, dentro de um universo em que há “mínimos” e “máximos” a serem respeitados, para quem deseja um lugar ao sol. José Roberto, nesse sentido, atinge o mínimo necessário, o que o coloca, ainda assim, acima de muitos, para os quais nem o amor dos fãs nem a complacência da crítica serviram (ou servem), como a ele, de compensação.

Wanderlea - A ternura de Wanderlea (1966)

 

Uma das discografias da Jovem Guarda mais difíceis de ranquear é, sem dúvida, a de Wanderlea.

Mas, mesmo com boa parte dos fãs considerando os lançamentos de 65, 66 e 67, a trilogia mítica da Ternurinha, creio que existe ainda algum espaço para discussões e reformulações.

Primeiramente, é justificável o apreço dos fãs por esses três discos, considerando-se que cada um deles é alavancado por um dos três maiores hits da cantora: “Ternura” (versão de Rossini Pinto para Somehow It got to be tomorrow (today)), presente em É tempo do amor (1965); “Pare o casamento” (versão de Luiz Keller para Stop the wedding), nesse A ternura de Wanderlea (1966); e “Prova de fogo”, do amigo Erasmo Carlos, do Wanderlea (1967). 

Sobre uma dessas músicas, em particular, chama a atenção, por causa dos títulos, o engano de achar que “Ternura” pertence ao disco de 66, A ternura de Wanderlea, e não ao de 65, É tempo do amor. Além disso, a exemplo do que aconteceu com Erasmo Carlos, quando se trata de “O tremendão”; Wanderley Cardoso, de “O bom rapaz”; e Eduardo Araújo, de “O bom”; em “Ternurinha” temos a música que rebatiza Wanderlea, estabelecendo-se, também por isso, como um marco em sua carreira.

De qualquer modo, mesmo com toda a sua importância, a presença de “Ternura” não apaga o fato de que, em minha modesta opinião, o Pra ganhar meu coração, de 1968, é um disco muito superior ao É tempo do amor.

Com isso, quero dizer que minha trilogia pessoal compreende os lançamentos de 1966, 1967 e 1968, começando, justamente com A ternura de Wanderlea, um disco cuja força reside, sobretudo, na competência de seus colaboradores e na qualidade de seu repertório.

Nesse sentido - além, é claro, da presença de “Pare o casamento” -, basta listar alguns aspectos para fundamentar essa opinião:

Primeiro, o emprego de alguns trejeitos vocais em faixas como: “Boa noite, meu bem”, “Aquele triste Adeus”, “Vá embora” e “Esta noite eu sonhei”, os quais deveriam ter servido de exemplo a cantores da época que, por pouco, não estragaram ótimos trabalhos, exatamente por não perceberem que há uma significativa distância entre o irritante e o cativante, na hora de gravar (ouviu, Eduardo Araújo?).

Porém, nos casos citados, os trejeitos evocam naturalidade, criatividade e, até mesmo, senso de humor, provando o quanto uma boa direção artística pode fazer diferença na produção de um álbum.

Além disso, em segundo lugar, atentemos ao contraste entre as canções “animadas” e as canções mais “emotivas” e logo teremos uma clara ideia do quão a versatilidade interpretativa é fator presente em todos os discos que compõem minha trilogia, elevando o padrão de desempenho de Wanderlea a um status bem superior.

Em terceiro, temos a colaboração do incansável Rossini Pinto, através da linda canção original “Devoção”; e das ótimas versões “Boa noite, meu bem” (Goodnight, Irene), “Aquele triste adeus” (Just a little bit better) e “Não vai baby” (June bride baby).

Em quarto, temos o irretocável acompanhamento de Renato e seus Blue Caps, que ainda colabora com duas músicas de peso: “Assinado, seu bem” (do guitarrista Carlinhos) e “Tudo morreu quando perdi seu amor”, do próprio líder da banda, Renato Barros.

Por fim, num verdadeiro roubo de cena, a lindíssima “Imenso amor”, da própria Wanderlea e do Golden boy Renato Corrêa (que também estava presente com o restante dos garotos, dando suporte aos backing vocals); e a versão “Em meus sonhos”, desta vez em parceria com Lilian Knapp, merecem destaque.

Wanderlea (1967)

 

Por muitos considerado o melhor de Wanderlea, esse disso foi alavancado à época pelo estouro da vibrante “Prova de fogo”, com que Erasmo Carlos presenteou sua colega de palco; seguida de “Vou lhe contar”, “Horóscopo” e, principalmente, “Te amo”, mais uma bela colaboração da dupla Roberto Corrêa e Sylvio Son ao repertório da Ternurinha.

Como a resenha desse disco se completa com a do próximo, basta dizer que, nesse trabalho, Wanderlea dá mais um passo significativo em sua evolução como artista, firmando-se, de vez, como maior musa da Jovem Guarda.

Apesar disso, a meu ver, ainda se revela um pouco insegura como intérprete — algo que ela compensava, e com sobras, com aquela energia e graciosidade que eram próprias de sua personalidade.

Wanderlea - Pra ganhar meu coração (1968)

 

Por razões, muitas vezes, ignoradas pela crítica, vale a pena dar uma olhada mais atenta em Pra ganhar meu coração, de 1968.

Em primeiro lugar, nesse disco, Wanderlea está cantando melhor do que nunca; os arranjos também estão mais elaborados; as composições, sem perderem o frescor característico do período, trazem letras mais... “redondinhas”; e até os músicos pareciam estar mais inspirados em cada uma das 12 faixas aqui presentes.

Apesar disso, é óbvio que as experiências anteriores da musa da Jovem Guarda merecem ser conferidas e, por certo, apreciadas, sobretudo porque delineiam um crescendo, que, de 1966 até 1968, nos mostram uma artista em plena evolução, melhorando sempre, disco após disco. Tanto é assim, que a maioria elege o disco de 67 como seu melhor trabalho, embora devesse observar alguns pontos que, sem desmerecer aquele, fazem deste um trabalho mais equilibrado e maduro, sobretudo por uma maior quantidade de canções originais e melhores arranjos.

Pena que em nenhum dos dois discos aparece a ficha técnica, para podermos saber quem foi o regente, o diretor de produção e, sobretudo, a banda de acompanhamento, que, ao que tudo indica, foi Renato e seus blue caps.   

E por falar em Renato e seus blue caps, há uma observação a fazer sobre esse disco que poderíamos muito bem estender ao álbum Especial, lançado pela banda em 1968, e que também faz parte de nossa lista: apesar de não possuir nenhum sucesso marcante, como os anteriores, esse disco conta com composições que honram o legado da Jovem Guarda, mesmo naquele momento delicado em que já exalava seus últimos suspiros.

Basta uma olhada na track list para comprová-lo: “Atende-me”, “Tem de ser assim”, “Se estou contigo”, “Toque pra frente”, “Quem muito fala, pouco acerta”, “Ele só serve pra mim”; além, é claro, da música título, presente de Eduardo Araújo e Chil Deberto, que possui uma linha de baixo altamente “funkeada”, já vislumbrando as tendências de virada de década. 

Mas, vale dizer, nenhuma das composições citadas chega aos pés de “Eu já nem sei” (Roberto Corrêa, Sylvio Son) e “A menina” (Regina Corrêa), que, de fato, estão acima da média.

A título de curiosidade, vale lembrar que Roberto e Regina Corrêa são irmãos. Ele, membro dos extraordinários Golden Boys (e também responsável pela belíssima “Te amo”, que aparece no disco de 67); ela, integrante do Trio Esperança, que também gravou a música em seu disco de 1968, O fabuloso Trio Esperança.

A propósito dessas duas belas canções, ainda que alguns as considere deslocadas daquele clima inocente e festivo da Jovem Guarda, é impossível não reconhecer sua singularidade. Afinal, de certo modo, elas apontam o caminho que Wandeca poderia ter seguido na carreira, mas, infelizmente, não seguiu, uma vez que só voltaria ao estúdio apenas quatro anos depois, em 1972, iniciando uma série de lançamentos separados por longos intervalos e, para ser em sincero, de qualidade bem irregular.

Golden Boys – Alguém na multidão (1967) / Pensando nela (1968)

 

         Os Golden Boys, na minha modesta opinião, fazem parte daquele time seleto que reúne a nata da Jovem Guarda e deixou uma marca na história da MPB. Por isso, quando se pensa nos cabeças de chave do movimento, além, é claro, do “Rei” Roberto Carlos, do “Tremendão” Erasmo Carlos, da “Ternurinha” Wanderlea e de Renato e Seus Blue Caps, não pode faltar esse extraordinário quarteto vocal, que começou ainda bem cedo, no final dos anos 50, e encontrou na Jovem Guarda o ambiente perfeito para fazer a lapidação de suas extraordinárias habilidades, conquistando público e crítica com seu carisma e talento.

         Mais que isso, atrevo-me a dizer que, mesmo diante da existência de tantos bons concorrentes como MPB4, Boca Livre, 14 bis e Os Cariocas, os Golden Boys são, provavelmente, o maior grupo vocal que já existiu em terras brasilis. Ponto.

         Formado por três irmãos (Roberto, Ronaldo e Renato Corrêa) e um amigo de escola (Waldir da Anunciação), que era tratado como primo, essa trupe genial fez backing vocals para “trocentos” artistas não só da Jovem Guarda, mas ao longo das quatro décadas seguintes, sempre assinando suas participações com um timbre de vozes tão marcante, que, não importava onde os escutássemos, logo sabíamos de quem se tratava. Talvez por isso mesmo, entre esporádicos lançamentos próprios e participações em trabalhos de outros artistas, o grupo teve, a bem da verdade, pouquíssimos hiatos ao longo de sua vasta carreira.

         Nestes dois discos, portanto, com ligeira vantagem para Pensando nela (1968), na minha opinião, temos as melhores realizações do grupo durante o período da Jovem Guarda e uma aula de competência vocal, produção musical e equilíbrio sonoro (o que, noutras palavras, significa dizer que estamos diante de discos “sem barriga”, que fluem suavemente do início até o fim).

         Nesse sentido, os destaques são tantos (mesmo entre aquelas menos conhecidas), que citaríamos praticamente todas as músicas dos dois LPs, caso fôssemos fazer uma lista das melhores. Por isso, para que perdermos tempo? Vamos direto à caça dos álbuns, botemos a vitrola pra funcionar e deliciemos nossos ouvidos com essa maravilhosa explosão de talento, lirismo, inocência, simpatia e competência dos “meninos de ouro” da Jovem Guarda.

Eduardo Araújo – O Bom (1967)

 

Basta olhar a ficha técnica para descobrir porque este disco está entre os melhores da Jovem Guarda: na direção de produção: Milton Miranda; no acompanhamento: The Fevers; na assistência de produção e coautoria da maioria das músicas: Carlos Imperial; e como orquestrador e regente, o maestro Edmundo Peruzzi.

Em poucas palavras: uma verdadeira conspiração destinada ao sucesso!

Outro diferencial é que se trata de um dos raros discos da Jovem Guarda que não possuem uma versão sequer de músicas estrangeiras. E em que pese o fato de que há versões memoráveis e do quanto sua produção foi de fundamental importância para aproximação do público brasileiro de grandes hits internacionais, nesse sentido estamos diante de um verdadeiro luxo para a época! Afinal, das 12 faixas, a parceria Eduardo Araújo / Carlos Imperial assina nada menos que oito, ainda que em “Cantor de iê iê iê”, o naipe de metais dê uma chupada descarada em “Bony Maronie”, composta e gravada pela primeira vez por Larry Williams, em 1957 e que, anos mais tarde, se tornaria reconhecida na voz poderosa de Tom Jones.  

A propósito, além de emular o estilo Tom Jones através dos arranjos e da interpretação de Eduardo, essa música ainda nos faz lembrar, por sua temática (qual seja: a resistência de pais carrancudos em permitir que suas filhas namorem “rebeldes sem causa”), de “Adivinhão” (Baby Santiago e Tony Chaves, 1961; gravada, entre outros da Jovem Guarda, por George Freedman e José Roberto); e “Pop star” (Leandro Verdeal, 1986), um dos maiores sucessos de João Penca e seus miquinhos amestrados, um dos grupos que mais refletiriam a influência da Jovem Guarda durante a escalada do rock brasileiro dos anos 80.

Mas, voltando ao disco, outro fato interessante é como ele já prenuncia, em alguns momentos, a guinada que Eduardo daria na carreira, ao ultrapassar os limites da Jovem Guarda e criar um disco como, por exemplo, Pelos caminhos do rock, de 1975. Talvez, por essa via, possamos explicar a presença de um sambinha buliçoso como “Faz só um mês” (também gravado por Erasmo Carlos no ótimo O Tremendão, de 1967); e do tributo à tradição, que apresenta no medley que contém “Meu limão, meu limoeiro” (Tradicional/Adaptação: José Carlos Burle), “Cabeça inchada” (Hervê Cordovil), “Peguei um ita no norte” (Dorival Caymmi) e “É só pra homem” (Tradicional). 

E quando pensamos que acabou por aí, desponta a verve “cafajéstica” e “mulherenga” do saudoso Imperial para apimentar o repertório e nos fazer lembrar de como o politicamente incorreto era indispensável para tornar as nossas vidas menos enfadonhas e mais divertidas, graças a momentos como: “Viva o divórcio” e “Golpe do baú” (ambas em parceria com Eduardo); “Dez Anastácias” e, obviamente, “O bom” - um hino à imodéstia e à ostentação raiz!

Para não dizerem que só falei de flores, talvez as únicas desvantagens desse disco estejam nos “gritinhos”, que ocorrem em algumas faixas (e que, mesmo justificando-se pela empolgação de Eduardo durante as gravações, me parecem, algumas vezes, um pouco exagerados); e em uma ou duas canções, cujo nível me parece um pouco abaixo das demais (a exemplo de “O mundo a teus pés” e “Goiabão”). Fora isso, estamos, sem dúvida, diante de um clássico indispensável!

Cyro Aguiar – Inspiração... (1967)

 

         Cyro Aguiar é mais um caso de artista que, apesar de talentoso, geralmente é esquecido quando se trata da elaboração de listas dos “melhores” da Jovem Guarda.

Dono de uma voz afinada e de um estilo próprio, que, por vezes, parece uma variação bem-humorada de Pat Boone e Elvis Presley, lançou apenas dois discos nos anos 60, sendo o melhor deles Inspiração... (1967), no qual encontramos um repertório que vai do rockabilly tradicional até homenagens à música regional, tal como vemos no medley que inclui, embora adaptados à batida do rock, os clássicos “Boiadeiro”, “Tico-tico”, “Sabiá”, “Pé de serra” e “Assum Preto”.

Todavia, Inspiração... tornou-se um disco que, apesar de sua boa produção (inclusive na criativa arte de capa e contracapa), não obteve o sucesso desejado, fazendo com que Cyro só voltasse aos estúdios para gravar um LP em 1969, ano em a Jovem Guarda, como bem sabemos, já estava praticamente extinta.

Diante disso, é fácil mensurar como Cyro Aguiar também contribuiu de maneira breve, porém marcante, para o movimento, sobretudo ao ouvimos pérolas como “O gavião”, “A loucura das garotas”, “Leninha”, “Preso por um beijo”, “Receita para me conquistar” e a ótima “Desprezado”, composta em parceria com o inesquecível Luizinho Dinamite.

Por essas e outras razões, Inspiração... é uma síntese competente da obra desse subestimado, porém talentoso artista da Jovem Guarda.

Deny e Dino – Coruja (1967)

 

         Juntamente com Os Vips, Os Jovens e Leno e Lilian, Deny e Dino formam o time das grandes duplas da Jovem Guarda e, através desse álbum, fica claro o porquê.

Alavancado pelo estrondoso sucesso da música título, Coruja vendeu mais de dois milhões de cópias, colocou a dupla na mira dos holofotes e, apesar de terem lançado mais alguns, esse tornou-se, sem dúvida, o seu álbum mais conhecido

O disco traz apenas duas versões: “Meu pranto a deslizar” (As tears go by, dos Rolling Stones) e “Meu bem” (Girl, dos Beatles), as quais, a bem da verdade, me provocam reações bastante conflitantes: sobre a primeira, positiva; já sobre a segunda versão, negativa. Afinal, além de sonolenta, essa última já havia sido gravada por Ronnie Von no mesmo ano (1966), bem como a própria “Meu pranto a deslizar”, gerando uma dúvida inquietante: por que a dupla resolveu gravar essas versões no mesmo ano que Ronnie? Não havia outras alternativas? E por que eles mesmos não se arriscaram a usar seus dotes de composição para evitar escolhas tão duvidosas, que, certamente, devem ter saturado os ouvintes da época?

Talvez a resposta, se não for “por comodismo”, “por preguiça” ou “por pressa”, seja, simplesmente, “por conveniência”. Nenhuma delas, porém, me agrada; nem muda o fato de que essas duas versões, sobretudo a dos Beatles, destoam do restante. 

De qualquer modo, o disco não se paga por seus deslizes — que, em verdade, são bem poucos; mas, isto sim, por suas vantagens, entre as quais podemos citar a elevada qualidade de sua produção, a excelência de seu repertório (com destaque, além da música título, para “Pare”, “Não vivo na solidão”, “Menina triste”, “Eu só quero ver” (do amigo Sérgio Reis) e a divertida “O estranho homem do disco voador”), o clima vibrante (sobretudo nas faixas mais aceleradas), a inconfundível assinatura vocal da dupla e — impossível não citar! — o sempre competente acompanhamento dos Fevers

Para muitos fãs da Jovem Guarda, trata-se do melhor disco feito por uma dupla, em todo o movimento. Uma opinião, sem dúvida, polêmica, especialmente se colocarmos na balança os lançamentos de Os Jovens, Leno e Lilian e Os Vips, todos capazes de tornar essa disputa bastante acirrada. 

Mesmo assim, atrevo-me a dizer que esse clássico está um ou dois degraus acima dos demais.

Um disco, inegavelmente, diferente. Talvez, um pouco mais profissional e com arranjos vocais mais bem postos. De qualquer forma, um item obrigatório na discografia básica da Jovem Guarda. 

Roberto Carlos – breve introdução

 

Se por acaso cem pessoas fizessem a lista de seus dez discos favoritos de Roberto Carlos, certamente haveria cem listas diferentes — com direito a variáveis, muitas vezes, intrigantes.

Todavia, por mais que a construção desse top ten seja algo que, de ouvinte a ouvinte, se baseie em critérios predominante pessoais, há sempre algumas coincidências que nos trazem à Jovem Guarda, permitindo contestar uma das afirmações mais infundadas que alguns fazem acerca do movimento e, sobretudo, da obra do produzida pelo artista durante essa fase. Qual seja: a de que Roberto Carlos só se tornou um grande compositor, intérprete e ganhou, finalmente, o respeito da crítica “especializada” (vide: jornalistas e professores universitários chapados, que intelectualizavam o debate sobre música popular, a ponto de criar um verdadeiro apartheid entre os seus favoritos do mainstream e os marginalizados do segmento brega ou cafona), com a chegada dos anos 70, quando, finalmente, superou a ingenuidade lírica, o minimalismo musical e o amadorismo técnico, tão largamente associados à Jovem Guarda.

Alguns até chegam ao absurdo de dizer que foi só depois do encontro com Caetano Veloso e Gilberto Gil, durante seu “doloroso” “exílio” em Londres, que Roberto e Erasmo, tocados pela emoção, tornaram-se magicamente capazes de compor à altura dos dois turistas e, ao voltarem ao Brasil, criarem obras como a magnífica “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”, inspirada em Caetano, conforme o próprio Roberto já admitiu.

Nada mais sem sentido poderia ser dito, quando se trata de avaliar com a devida seriedade a obra de Roberto, em que o papel da Jovem Guarda foi fundamental, sobretudo por conta de um fator incontestável: não importa de onde venha, qualquer lista competente dos dez melhores discos de Roberto Carlos precisa incluir, obrigatoriamente, pelo cinco do período da Jovem Guarda: É proibido fumar (1964), Jovem Guarda (1965), Roberto Carlos (1966), Em ritmo de aventura (1967) e O Inimitável (1968). Exatamente os cinco discos que compõem a nossa lista.

Analisemos, a seguir, cada um deles, separadamente.

Roberto Carlos - É proibido fumar (1964)

 

Depois de gravar dois discos fracos, Louco por você (1961) e Splish Splash (1963), Roberto Carlos, finalmente, acerta a mão, e lança o primeiro grande disco da história do rock brasileiro.

Mas, o que justifica essa classificação?

Primeiro, estabeleçamos algumas diferenças entre esse disco e os dois anteriores, de forma mais objetiva.

         Em Louco por você, estamos diante de um fracasso retumbante, detestado, até mesmo, pelo próprio Roberto Carlos. Já com o segundo, Splish Splash, temos um indício bastante promissor, graças ao estouro da música título (rearrajanda por Renato e seus Blue Caps) e de “Parei na contramão” – a primeira, aliás, lançada em compacto simples ainda em março, meses antes do LP, que só saiu em novembro de 1963.

Todavia, em ambos os casos, reconhecemos trabalhos muito irregulares, que mostram um Roberto ainda  “travado”, inseguro e, certamente, mal orientado sobre o rumo que deveria seguir na carreira.

         Não é à toa que, no primeiro, vamos do samba ao bolero; da bossa nova à balada, em menos de 30 minutos. No segundo, apesar das músicas que estouraram e dos olhares que se voltaram para o jovem astro, ainda somos surpreendidos por faixas fraquíssimas e pobremente arranjadas como “Quero me casar contigo” e “Onde anda o meu amor”; além de experiências com outros gêneros, como em “É preciso ser assim” (mais um surpreendente resultado da parceria Roberto-Erasmo Carlos, por tratar-se, exatamente, de uma bossa nova), “Oração de um triste” (primeira canção religiosa gravada pelo Rei, que, apesar do relativo sucesso, muito melhor resultado teria se tivesse sido gravada por cantores com o perfil de um Agnaldo Timóteo ou de um Altemar Dutra); “Relembrando Malena” (um calipso de Rossini Pinto, que Roberto tentou emplacar a todo custo, mas sem muito resultado); e uma fraca versão de Marcos Moran para “I gotta know”, chamada “Professor de amor”, com interpretação nada convincente por parte de Roberto (compare-se às suas falas em “O calhambeque”, e ficará bem claro o que quero dizer).

Em suma, dois discos que, em vez de orientarem definitivamente a carreira do artista para o lado do rock, nos trazem a sensação de que, longe da versatilidade esperada, o que temos, na verdade, é um garoto perdido, em meio a um denso emaranhado de gêneros desconexos, que só geram tumulto, acanhamento e imprecisão em sua jovem cabeça.

Todavia, com o É proibido fumar, Roberto não só consegue, finalmente, dar um encaminhamento claro à carreira (ao optar de vez pelo rock´n roll!), mas também relaxar em definitivo, mostrando-se completamente à vontade, como não deixam mentir suas interpretações mais soltas, seus “gritinhos” atrevidos e seu patente entusiasmo a cada uma das faixas que compõem esse clássico, sem exceções.

Outro aspecto que merece ser destacado é a sensível melhoria dos arranjos, com os Youngsters mais inspirados do que nunca, a esmerada produção de Evandro Ribeiro (recuperando-se da produção titubeante do disco anterior), um repertório excepcional e um enfileiramento de sucessos poucas vezes visto na história do rock nacional: “É proibido fumar”, “Broto do jacaré” e “Louco não estou mais” (todas de Roberto & Erasmo Carlos); as três versões matadoras de Erasmo Carlos: “Nasci para chorar” (“Born to cry”), “Desamarre o meu coração” (para “Unchain my heart”, de Ray Charles) e – como esquecer dele? - “O Calhambeque” (“Road hog”); “Amapola” (versão do próprio Roberto para a música homônima); “Um leão está solto nas ruas” (Rossini Pinto); “Rosinha” (Athayde Julio & Oswaldo Audi); “Meu grande bem” (Helena dos Santos); além de “Jura-me” (Jovenil Santos) e “Minha história de amor” (José Messias), faixas nas quais o saxofonista do The Youngsters, Sérgio Becker, simplesmente, rouba a cena.

Um disco tão bom que, mesmo com os dois lançamentos posteriores tendo servido para consolidar a carreira do artista, a façanha de superá-lo, inegavelmente, não foi atingida nem por Roberto Carlos Canta para a juventude (1965), nem pelo Jovem Guarda (1965). Aliás, analisando friamente, essa difícil tarefa talvez só tenha sido cumprida por seus três últimos (e ótimos!) discos da fase Jovem Guarda: Roberto Carlos (1966), Em ritmo de aventura (1967) e O inimitável (1968). 

Roberto Carlos - Jovem Guarda (1965)

 

Aproveitando o estouro do É proibido fumar; e a consolidação, através dele, de seu estilo roqueiro, Roberto Carlos lança, em 1965, dois Long Plays: um em abril, Canta para a juventude; e outro em novembro, chamado Jovem Guarda, inclusive para fazer uma dobradinha publicitária com o programa homônimo, que estreara na TV Record em 22 de agosto daquele mesmo ano.

Ainda assim, os poucos meses que os separam não significam que os dois discos tornar-se-iam equivalentes, pois é certo que o segundo é superior ao primeiro, por várias razões.

Primeiro, pela presença dos clássicos "Quero que vá tudo pro inferno" e "Mexerico da Candinha" (Roberto Carlos & Erasmo Carlos), que, respectivamente, abre e fecha o disco; seguidas por "Lobo mau” (versão de Hamilton Di Giorgio para “The Wanderer”), "Gosto do jeitinho dela" (Othon Russo & Niquinho) e "Escreva uma carta, meu amor" (Pilombeta & Tito Silva),

Além dessas, saindo do território restrito dos clássicos, também merecem destaque: "O feio" (Getúlio Côrtes & Renato Barros), "Eu te adoro, meu amor" (Rossini Pinto), "Pega ladrão" (Getúlio Côrtes) e "Não é papo pra mim" (Roberto Carlos & Erasmo Carlos).

Os pontos baixos do repertório, do menor para o maior, são: "Sorrindo para mim" (Helena dos Santos), "O velho homem do mar" (Roberto Rei) e, principalmente, "Coimbra" (Raul Ferrão & José Galhardo), faixa cuja presença destoa completamente da arquitetura geral do disco e, para mim, até hoje não funciona, sendo tão coerente como um papagaio morando numa caixa de fósforos.

Do ponto de vista musical, o desempenho do The Youngsters, novamente, merece destaque. Porém, dessa vez, o diferencial está na presença do tecladista/organista Lafayette, que foi convidado a participar das gravações por sugestão da própria banda e, sem sombra de dúvidas, fez um ótimo trabalho. Por isso mesmo, chega a ser surpreendente que, após participar de vários trabalhos de Roberto Carlos e ter desenvolvido uma prolífica carreira com mais de 30 discos lançados, esse notável tecladista jamais tenha sido convidado pelo Rei a participar de seus especiais da Globo ou recebido da crítica um reconhecimento à altura de seu talento.

De qualquer modo, há um aspecto que bem resume o que é esse disco e ajuda a explicar sua presença nessa lista: apesar de muito bom, ele fica muito aquém do É proibido fumar. No entanto, em termos gerais, se situa bem à frente do Canta para a juventude, que, por isso mesmo, não faz parte da lista.

Roberto Carlos (1966)

 

Após o razoável Canta para a juventude e do muito bom Jovem Guarda, Roberto Carlos começa o ano de 1966 disposto a investir mais em qualidade do que em quantidade, o que levou ao nascimento de mais esse gigante em sua discografia.

Entretanto, por incrível que pareça, surpreende o fato de que esse disco não seja tão badalado e apareça em poucas listas de favoritos dos fãs. Realmente, uma pena, já que aqui estamos diante de um dos melhores trabalhos do artista, sendo o primeiro, após É proibido fumar, capaz de rivalizar com este grande clássico.

Trata-se, enfim, de um disco onde a marca do equilíbrio salta-nos aos olhos (ou seria aos ouvidos?) e abundam clássicos inesquecíveis: “Eu te darei o céu” e “Eu estou apaixonado por você”, (ambas de Roberto e Erasmo Carlos); “Querem acabar comigo” e “Namoradinha de um amigo meu” (ambas, só de Roberto); “Negro gato” e “O gênio” (ambas de Getúlio Côrtes); a avassaladora “Nossa canção”, de Luiz Ayrão; “Esqueça”, versão de Roberto Côrte Real para “Forget him”; e, por fim, “É papo firme”, de Donaldson Gonçalves e Renato Corrêa.

Não perca tempo! Corra para a vitrola!

Roberto Carlos - Em ritmo de aventura (1967)

 

Seguindo o rastro de sucesso da primeira investida cinematográfica de Roberto Carlos, Em ritmo de aventura, mais que uma grande uma trilha sonora, também é um clássico do rock brasileiro e um dos discos mais amados do rei da Jovem Guarda. 

Coisa fácil é falar de um trabalho que já fala por si, bastando, apenas, exibir a tracklist: mais uma avalanche de sucessos inesquecíveis, a maioria dos quais tornaram-se clássicos instantâneos, mas, com algumas curiosidades...

Primeiro, o fato de que temos apenas uma composição da dupla Roberto-Erasmo Carlos, “Eu sou terrível”, que, por sinal, abre o disco. Por outro lado, Roberto trabalhou sozinho na criação de “Como é grande o meu amor por você”, “Por isso corro demais”, “De que vale tudo isso”, “Quando”, “E por isso estou aqui”; ou seja: praticamente metade do disco, o que já seria surpreendente, não fosse o fato de que todas – repito: “todas” – são ótimas composições! E, tanto assim, que mais parecem uma resposta de Roberto a algum desafio para que provasse ser capaz de manter o nível de suas composições, mesmo sem contar com a ajuda do parceiro Erasmo Carlos.

De qualquer modo, seja por motivo de desentendimento (como alguns sugerem) com Erasmo, seja para vencer uma aposta, um desafio ou, simplesmente, provar algo a si mesmo, o certo é que esse é o maior grito dado por Roberto, até então, àqueles que ainda duvidavam de que poderia ser um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos. Coisa que ele provaria com facilidade, ainda mais, nos anos seguintes.

De resto, seria um crime falar desse álbum sem pôr em destaque uma das melhores composições de Renato Barros e do rock brasileiro: “Você não serve pra mim”, com direito a levada soul, baixo envenenado e guitarra fuzz – um musicão, movido a suor, paixão e muita testosterona, que Renato tocou “sorrateiramente” na sessão de gravação, atraindo imediatamente o olhar de Roberto, que, mordendo a isca, logo resolveu que iria gravá-la! Sorte dele e nossa, se bem que qualquer pessoa sensata teria feito exatamente o mesmo. Você não?

Se o disco tivesse apenas as músicas citadas até aqui, já seria um marco. Imagine o que acontece quando acrescentamos todas as outras? Rock de primeira! Curta sem parar.

Roberto Carlos - O Inimitável (1968)

 

Enquanto o programa Jovem Guarda dava seus últimos suspiros, Roberto Carlos finalizava esse álbum em estúdio, para lançá-lo em dezembro de 1968.

Inspiradíssima, a dupla Roberto Carlos e Erasmo Carlos produziu quatro músicas para o disco, sendo que três delas se transformaram em clássicos indiscutíveis: “Se você pensa”, “Eu te amo, te amo, te amo” e a irretocável “As canções que você fez pra mim” – um primor de composição!

         Mantendo o nível nas alturas, a maioria das outras faixas acompanha aquelas três, com evidente destaque para “E não vou mais deixar você tão só”, do jovem Antonio Marcos, que só não pode ser considerado um jovem-guardista legítimo porque lançaria seu primeiro disco apenas no ano seguinte, quando o movimento já estava finado; “Ciúme De Você” (Luiz Ayrão); “Quase fui lhe procurar” (Getúlio Côrtes); “Ninguém vai tirar você de mim” (Edson Ribeiro & Hélio Justo); “Não há dinheiro que pague” (em que Renato Barros se supera na linha de baixo, funkeada e pesadíssima para a época!); e “O tempo vai apagar” (Getúlio Côrtes & Paulo Cesar Barros).

A única exceção, infelizmente, fica por conta de “Madrasta”, composição de Beto Ruschel e Renato Teixeira, que Roberto defendeu no IV Festival da Música Popular Brasileira, em outubro de 1968, e que, sinceramente, não deveria ter saído do palco, já que destoa completamente do restante do disco, deixando claro que só entrou para “completar o lado”, e não porque combinasse com o estilo musical e a proposta temática predominante no disco.

De qualquer modo, uma grande despedida e um prenúncio claro do que estava por vir: o famoso disco de 1969, em que a influência da soul music e do funk (de verdade!) tornar-se-iam ainda mais evidentes; além do amadurecimento das letras e, sobretudo, dos arranjos orquestrais, que alcançariam um patamar nunca antes visto na carreira do Rei.